sexta-feira, 3 de junho de 2011

mais sobre blue valentine, hangover II

fazem quatro meses que eu escrevi esse texto sobre blue valentine, de derek cianfrance, visto então com a ajuda da boa e velha pirataria. fazendo um resumo, é um filme denso e pesado sobre a deterioração de um relacionamento, muito mais um dedo na ferida de qualquer espectador que já passou pela situação do que um filme bonitinho ou otimista.

nada mais inacreditável que ele tenha no brasil recebido o título namorados para sempre, o slogan quando o amor acabou a paixão voltou para reacendê-los, ou alguma outra babaquice parecida, e sua data de lançamento marcada para o dia dos namorados. não é simplesmente uma coincidência, é um gigantesco golpe de marketing. vão vender o filme como uma comédia romântica típica da data para adolescentes que vestem cor-de-rosa e esperam o príncipe encantado. obviamente, não vai dar certo.

eu não sei se a intenção é a) traumatizar uma geração b) rir da cara das garotinhas citadas acima ou c) gerar um grande fracasso, mas é o tipo de estratégia que não me parece fazer nenhum sentido. quer dizer, as alternativas "a" e "b" seriam engraçadas, mas com certeza só uma mente doentia como a minha pensaria nelas.

aliás, simplesmente vejam esse trailer e me digam toda a diferença que os títulos blue valentine enamorados para sempre no final fazem.

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raciocinando mais sobre o filme depois de ver o trailer no cinema passando antes de the hangover II, eu acabei me tocando que provavelmente gosto tanto dele pelo fato do personagem do ryan gosling ser mais um desses que aparecem na tela de vez em quando que são extremamente parecidos comigo. alguns diálogos sensacionais como o que começa com ela perguntando por que você precisa começar a beber todos os dias às oito da manhã? e termina com um eu não queria nada disso. ser marido, pai, ter um emprego, dinheiro, uma casa. eu faço isso porque eu te amo. enfim, isso não é história pra esse blog, mas vale o registro.

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não existe muito o que ser dito sobre hangover II, o filme em si é insignificante. uma cópia exata do primeiro em estrutura, piadas e tentativas de humor, mas sem a mesma graça e sem o prazer da descoberta. mas eu preciso falar que fico feliz pra caralho e com esperança no mundo quando uma comédia tão politicamente incorreta e preconceituosa ainda faz um sucesso tão estrondoso. a chatice ainda não nos dominou por completo.

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

blue valentine + true grit

blue valentine:

eu sempre lembro de quando escrevi sobre closer e disse que quem fez aquele filme obviamente nunca tinha estado num relacionamento com ninguém, uma vez que aqueles diálogos eram as coisas mais imbecis, acéfalas e irritantes possíveis no cinema. o gosto do pau dele era melhor que o do meu? sério mesmo, cara? que porra de diálogo é esse?

a exata sensação contrária eu tive vendo esse blue valentine, estréia de derek cianfrance em longas. o pensamento era puta que pariu, é exatamente assim que acontece! eu já tive esse diálogo com alguém! - e, bom, eu não preciso explicar qual das duas situações é a melhor.

blue valentine é quase que um filme-porrada, já que se vê a decomposição e a construção de um relacionamento ao mesmo tempo. eles estão se apaixonando e se distanciando, tudo é uma questão de qual o momento atual da narrativa, que se mescla muito bem. e com todo esse emaranhado de realidades e situações, de idas e vindas, de beijos e risadas e lágrimas e discussões, existe uma incrível sutileza, um olhar diferente de um filme que sabe que você vai se aproximar dos dois personagens - sem maniqueísmo, sem uma filhadaputagem à summer, é tudo natural e real.

michelle williams e ryan gosling estão os dois em atuações fantásticas, de incrível densidade e emoção. num mundo justo, ganhariam os dois oscars de atuação sem muita competição. e o filme segue seu rumo, acompanhando o fim e te lembrando que se trata de um relacionamento real, uma paixão entre duas pessoas de carne e osso e seu fim. e com um plano final maravilhoso, te dá a porrada final.

true grit:

há uns tempos atrás, quando eu comecei a escrever um noir, achei que a melhor coisa a se fazer seria usar todas as referências e situações conhecidas do gênero e fazer dessa construção quase uma homenagem. afinal, é um gênero em extinção há, digamos, cinquenta anos. é mais ou menos o que os irmãos coen fizeram aqui, com um western.

não se trata de uma obra-prima, de um no country for old men, mas é um filme que passa com uma velocidade incrível, extremamente divertido e repleto de violência e momentos engraçados e toques típicos dos coen dentro desse mundo tão definido e com suas paredes erguidas nos clichês e nas marcas do gênero. jeff bridges tomando o lugar de john wayne - apesar que um western, pra ter todas as marcas registadas de um western, precisa ter john wayne. e quando bridges estava prestes a aparecer pela primeira vez - e que puta atuação foda, diga-se - eu realmente quis ver o velho astro da versão original.

dito isso, é redundância continuar escrevendo que os coens fizeram outro grande filme. a impressão que fica é que eles tem acertado sempre, se divertido pra caralho, filmando exatamente o que querem filmar e ganhando mais e mais a admiração de todo mundo - do público médio à academia hollywoodiana. e eu já não fico mais tão longe de dizer que eles são os principais cineastas dos últimos 20 anos.

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

the fighter + black swan

pequena retomada com filmes do oscar, vamos lá:

the fighter:

é um tanto quanto difícil fazer esses filmes com histórias reais esportivas que todo mundo sabe como vai acabar - o herói, os conflitos, as dificuldades, as lutas e a porra toda - e quanto o esporte central é boxe tudo fica ainda mais difícil pela overdose de exemplares existentes (porra, rola até uma confusão nos títulos - the wrestler, do aronofsky, sobre quem falaremos daqui a pouco, aliás, virou o lutador por aqui. e aí, pra não fazer outro o lutador no ano seguinte, esse aqui vira o vencedor. genial).

mas o que importa é que, apesar do clichezaço e do excesso de conflitos, david russell faz uma puta direção, aproximando a linguagem do filme do documental e das transmissões televisivas do boxe. o principal trunfo, porém, é o elenco sensacional, que apesar de ser encabeçado por um mark não mudo nunca nem mesmo o cabelo pra papel nenhum wahlberg, tem presenças fundamentais de amy adams, melissa leo e, sobretudo, um espetacular christian bale, se doando completamente pra um papel dificílimo e tendo uma atuação épica.

aliás, se eu fosse o mark wahlberg, ficaria com vergonha ao ver o filme e me comparar com o bale.

tem uma cena maravilhosa no meio do filme, com i started a joke, dos beegees (sim!), já desponta como candidata a cena do ano.

black swan:

o que eu curto pra caralho no aronofsky é ele é sempre audacioso, cheio de idéias e vai a fundo nelas. mesmo quando ele erra a mão completamente (fonte da vida manda lembranças), não dá pra dizer que ele não ousou e saiu dos clichês e padrões básicos de todas as áreas do cinema.

e o outro ponto fundamental é de maturidade - requiém para um sonho é um filme que eu realmente odeio com força por ser imaturo pra caralho, julgar e condenar seus personagens. em o lutador ele deixa isso pra trás, as coisas passam a ser naturais e o personagem aceito e respeitado pela direção, com aquele final sublime. aqui acho que rolou uma continuidade disso aí.

tenho alguns (ok, talvez muitos) problemas com a câmera do aronofsky, ela é sempre um pouco inquieta demais pra mim. o começo do filme não me convence muito, mas conforme vai rolando a transição, o filme cresce pra caralho. os quinze minutos finais são espetaculares, angustiantes, muito fortes e bem realizados.

mas é bom demais ver toda a ousadia e perfeccionismo estético, com todos os rolês da fotografia, das luzes e tudo o mais, encontrando a maturidade do aronofsky. ele virou um cineasta gente grande de verdade, e agora isso tende a ser cada vez melhor.

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

mostra - dia 14


Uma Carta para Elia, de Martin Scorsese

para terminar esse rolê todo de escrever sobre mais uma mostra, a oitava da minha vida: vocês devem ter percebido pelas cotações o quanto a safra foi fraca. não dei nenhum 4/4 (ok, uma surpresa - nada surpreendente, na verdade - aguarda vocês) e foram alguns vários 0/4. não sei se eu estou um pouco diferente, mais exigente, mais difícil de ser realmente conquistado pelos filmes, talvez esteja mesmo. mas o fato é que alguns foram prejudicados pela expectativa desproprcional (provavelmente eu nunca tinha entrado numa sala com tanta como foi pro tio boonmèe), ou por simplesmente serem fracos e quadrados e não terem quase vida nenhuma (homens e deuses grande prêmio do juri? what the hell, cannes?)

o fato é que nós estamos vindo de um ano sobrenaturalmente bom, que foi 2009, com uma das melhores safras que eu lembro de ter visto - de cabeça, tinha mother, bad lieutenant, vincere, time that remains, viajo porque preciso, thirst, polícia, adjetivo, etc etc etc, isso ficando só no circuito de arte e sem abrir pro mainstream (hurt locker, inglorious basterds) - e com certeza esqueci de coisa pra caralho aí. fico triste demais em ver que, em 2010, só uns quatro filmes da mostra merecem dividir um parágrafo com esses aí de cima (cópia fiel, tio boonmee, my joy e a surpresa nada surpreendente). basicamente, uma tragédia em forma de ano.

vou começar a destilar meu mau humor frustrado pela decepção completa com os filmes: muito bonita a iniciativa de dar o prêmio do juri em cannes pra esse um homem que grita, mas todo mundo sabe que não passa de um incentivo e de um "prêmio de consolação", praticamente um brinquedo que você dá pra um bebê por ele ter aprendido a usar o penico. é mais ou menos isso, e eu não vou dizer que não é válido - claro que é. mas já é plenamente imaginável por essa introdução o que eu achei do filme.

um homem que grita é um filme correto e bem realizado, mas longe do merecimento próprio de qualquer prêmio. passa sem efeitos pela vida, a não ser que você seja um remanescente da guerra civil do chade. não se nega o valor que um filme possa ter para o seu povo, mas como cinema ele é apenas um exemplar mediano.

e exemplar mediano é uma expressão que caracteriza lindamente clara, produção alemã sobre clara schumann, maestra, compositora, música e sabe-se lá mais o que. é um filme simpático, lotado de boa música, com boas situações e um desenvolvimento correto, mas que passa longe de empolgar.

(observação antes de ir para o que interessa. quando partimos ganhou a mostra. puta que pariu, isso passa dos limites do inacreditável. ok, não, é bem lógico, visto que os velhinhos e velhinhas da mostra adoram esse tipo de dramalhão com clichês transbordando pela boca, marionetes de tragédia e a porra toda. só posso lamentar.)

tá, vamos pro que interessa.

todo mundo sabe o quanto eu admiro martin scorsese, com certeza um integrante vitalício do meu top 5 de cineastas favoritos. vocês podem espernear, brigar, me xingar à vontade, dizendo que eu sou um fã puxa-saco, não tenho o que fazer o que mais possam querer. mas uma carta para elia é lindo demais e o melhor filme que eu vi nessas duas semanas de festival.

pronto, essa é a surpresa nada surpreendente. óbvio que o scorsese ia me salvar, não?

uma carta para elia é uma declaração de amor ao cinema e eu não devia escrever nada sobre ele. iria estragar a emoção, completamente. martin scorsese ama o cinema de uma forma intensa, devastadora, tem os filmes guardados com um carinho maior que o mundo num canto separado de seu coração - que provavelmente já é maior que o coração da maioria esmagadora das pessoas.

essa relação que ele diz ter com elia kazan é, no mínimo, uma coisa que qualquer jovem aspirante a cineasta entende perfeitamente. ele se via nos filmes de kazan, via as situações de sua vida, via os seus momentos, estudava os movimentos de câmera, a iluminação, vinte, trinta vezes. eu acredito que todo mundo que tenha paixão por essa arte tem aquela pessoa que a inspira, que parece falar por você. quem me conhece mais de perto sabe que é o que acontece comigo e john cassavetes, que aliás, é citado por scorsese nesse filme aqui.

e aí, surge um emaranhado de raciocínios que eu mal consigo explicar sem quase fundir meu cérebro. mas é essa rede de apaixonados pelo cinema que formam quase um ciclo eterno que mantem a arte viva. eu queria, um dia, ser bom ao ponto de poder fazer um a letter to martin ou, mais ainda, um a letter to john, que seja capaz de emocionar tanto os jovens aspirantes a cineastas como esse aqui me emocionou. é, acho que é o melhor resumo que eu posso fazer.

(um homem que grita - 2/4, clara - 2/4, uma carta para elia - 4/4).

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

mostra - dias 12 e 13


Hugh Hefner, de Brigitte Berman

fazem umas duas semanas que eu achei uma macumba em uma casa abandonada numa vila fantasma e botei fogo nela. tinha nomes de pessoas, milhos, muito jornal e outras coisas estranhas.

até então, nada tinha me acontecido. mas esse dia dois de novembro, coincidentemente dia dos mortos, foi de uma tenebrosidade absurda.

tudo começou relativamente bem: documentário sobre hugh hefner, o dono da playboy e um dos maiores gênios que esse universo já começou. ele já começa resumindo basicamente o que tem a ser dito: me mostre um homem no mundo que não daria a bola esquerda pra ser hugh hefner. é, eu daria. sem pensar duas vezes.

(ok, não aos 80 anos, quase morrendo, como hoje. e não aos 22, minha idade, quando ele ainda nem tinha idéia do que viria a ser a playboy. pensando melhor... me façam a pergunta de novo daqui há uns 15 anos.)

é um documentário totalmente tradicional na sua forma, feito pelo instituto canadense, ou seja, uma sumidade em documentários clássicos. apresenta o cidadão, sua vida, sua obra. entrevistas, depoimentos, imagens de arquivo, equipe não aparecendo em momento nenhum. quadrado, mas extremamente eficiente devido à complexidade de hugh e de todo seu legado para a humanidade.

são discutidos diversos temas, não só a playboy e as mulheres. toda a relação de hugh hefner com a aceitação dos negros na mídia, sendo o primeiro homem a permitir que eles frequentassem um programa de televisão e clubes que antes eram exclusivos para brancos, disseminando o jazz na sociedade, lutando pela liberdade sexual feminina, praticamente um pioneiro nas guerras contra o preconceito e a caretice nos estados unidos. com uma figura dessas, uma obra artística apenas correta dá conta de ser interessante o tempo todo.

as coisas continuavam bem com a primeira hora de símbolo, filme que galgava para o posto de melhor visto na mostra, totalmente louco, anárquico e inovador, até que uma pane geral da sala interrompeu a projeção. aí, vocês sabem como funciona: vai voltar em vinte minutos. passam-se quarenta e nada resolvido. só mais cinco minutinhos!, e assim eternamente até o cancelamento. o lado bom é que foram doze dias pra uma bizarrice dessas acontecer (comigo) na mostra! um milagre, normalmente já acontece no primeiro dia. pena que foi na sessão errada. na mais errada possível.

download sendo realizado. sei que você odeia pirataria, cakoff, mas porra, faz as coisas direito ou você nos obriga a isso. nos próximos dias, conto a impressão final sobre essa loucura japonesa.

e daí, tudo só piorava. por que não cancelaram a sessão seguinte? por que? era simplesmente brilliantlove, uma das coisas mais medonhas que lembro de ter visto na minha vida cinematográfica.

é mais ou menos assim: um casal trepa o dia inteiro, e a noite também. sem problemas, pessoas trepam. dias inteiros e noites também. ele, um completo paspalhão incapaz de pronunciar duas palavras, tira fotos dela enquanto isso. pelada, gozando, gemendo, o que mais vocês puderem imaginar. um dia, ele esquece as fotos num boteco, que são encontradas por um empresário do ramo da pornografia. ele acha aquilo genial e publica.

a partir daí, as piores situações possíveis são desenvolvidas por dois personagens que são mais irritantes, burros, imaturos e mimados que aqueles que eu já tinha descrito anteriormente, de modra. os dois são completamente vazios, além disso. não são capazes de raciocinar, parecem duas marionetes do roteiro pra filmar cenas de softporn com uma ou outra imagens de pinto e boceta e simulação de porra voando pela cena. se fosse pra definir isso aqui, definiria como um sub-9 canções. aí é possível notar a gravidade do negócio.

eu ia me dirigindo para ver howl, sobre a criação e depois julgamento de um dos meus livros favoritos, o homônimo de allen ginsberg. porém, ele não chegou. no lugar, botaram quando partimos, filme alemão que vai tentar a indicação ao oscar de filme estrangeiro. decidi ver.

e porra, QUE ERRO, carlos massari, QUE ERRO.

se brilliantlove era um sub-9 canções, esse aqui é um sub-crash no limite. ok, exagero, mas ele usa dos mesmos clichês e situações limites horrorosas pra criar todo o seu dramalhão, claro, com raízes sociais. eu já cansei de dizer infinitas vezes o quanto odeio personagens que são marionetes da tragédia inevitável e que estão ali na tela só para sofrer, sofrer e sofrer o tempo inteiro. pois bem. posso parar por aqui.

feo aladag, que tal ver um pouco de marco bellochio antes de tentar fazer um melodrama de novo?

depois, o cinema romeno. aurora, do mesmo diretor do excelente a morte do sr. lazarescu, é praticamente uma ultra-execução do modelo que esse novo cinema romeno excepcional tem feito nos últimos anos. as cenas silenciosas, os personagens cheios de dores, os planos longos, as conversas. a obra tem 180 minutos, muitos deles desnecessários, mas acaba se fechando de forma bastante digna. a exemplo de polícia, adjetivo, temos uma cena final magnífica, apesar de as duas serem deveras parecidas. aqui, fico com uma impressão até um pouco irônica da coisa. cristi puiu tem muito talento e com certeza está na minha lista de cineastas dos quais os próximos filmes são imperdíveis.

do grego na floresta, tudo que possa ser dito será chover no molhado - é uma obra interessante por seu valor conceitual, com câmera na mão acompanhando os personagens praticamente em super close quase o tempo todo. é uma exaustão de orelhas, narizes e bocas na tela. praticamente não existe nenhum diálogo, e são esses três personagens que ficam numa floresta afastados da civilização e a relação entre eles, contada por toques de pele, sorrisos, olhares e fodas. se perde muitas vezes e me parece vazio e inconsequente, mas tem seu valor experimental.

foram horas de tensão tentando descobrir se a cópia de homens e deuses chegaria ou não. na última hora, ela chegou. comemoração, todos se abraçaram. opa, não. isso foi em cannes com tio boonmee.

esse homens e deuses, filme francês que levou o grande prêmio do júri em cannes, é um retrato quadradíssimo do sequestro e assassinato sofrido por monges católicos na argélia na década de 90. trata-se de uma obra completamente dentro dos padrões cinematográficos de narrativa, de câmera, do que quer que seja. não ousa inovar em momento nenhum, não pensa adiante em lugar nenhum.

praticamente caímos de novo no que eu disse sobre hugh hefner: a narrativa extremamente quadrada sobrevive e se levanta graças ao tema interessantíssimo.

não sei vocês, mas eu prefiro coelhinhas a monges.

(hugh hefner - 3/4, símbolo - ?/4, brilliantlove - 0/4, quando partimos - 1/4, aurora - 2.5/4, na floresta - 1.5/4, homens e deuses - 2.5/4)

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

mostra - dia 11


Film Socialisme, de Jean-Luc Godard

é engraçado perceber as diferenças entre o você atual e o você de quando começou a frequentar a mostra. naquela época, além de usar gel no cabelo moicano, roupas estranhas e normalmente usar o preparo físico adolescente pra correr do extinto cineclube directv (lembrança maldita) ao frei caneca, eu normalmente usava meu tempo livre de uma hora entre filmes pra ir em livrarias ou lojas de dvds. minhas diversões eram me torturar dentro daqueles lugares cheios de objetos de desejo inalcançáveis. com o tempo, simplesmente abandonei esse hábito nada saudável.

o tempo passou e, no meio dele, houve anos que eu estive todos os dias acompanhado por ex-namoradas (não ex na época, por favor) ou peguetes, anos que não encontrei absolutamente ninguém conhecido durante toda a duração do festival e vi todos os filmes sozinhos, houve minha transição de visual. o moicano foi embora em 2004 e hoje meu cabelo é absolutamente normal, bem como o cavanhaque de sempre e a peça que entrou a pouco tempo - os óculos escuros. sou mais um na multidão. e uma exceção gigantesca - alguém que não usa roupas indies no meio daquele mar de blusas listradas ou de bolinhas. e a parte principal - nunca mais entrei na fnac, na cultura ou na 2001 vídeo. tendo uma hora livre, minha cabeça já junta automaticamente as três letras mais importantes e universais possíveis: b a r. e outras sete que são indispensáveis à vida: c e r v e j a.

dito isso, existe um preconceito gigantesco contra filmes sobre adolescentes ou romances e aventuras sexuais adolescentes nesse circuito de mostra. saindo da sessão de o mito da liberdade hoje, ouvi duas senhoras - típicas criaturas do festival - comentando que era um absurdo um filme como esse ter passado. claro, vocês nunca foram adolescentes, né? já nasceram com 50 anos, ranzinzas e "intelectuais", creio eu? parabéns, então!

a sinopse aqui é que um emaranhado de personagens na transição entre a high school e a faculdade sai à noite em busca de beijos e sexo e amor e putaria e diversão. esse é american pie, opa, errado, é o mito da liberdade. não se trata de uma comédia, mas sim de um filme que tenta entender seus personagens, claramente um olhar com carinho de quem já passou por isso. são calouros e veteranos e amigos e amigas e namoradas e piriguetes todos devidamente perdidos nesse mar, simplesmente buscando terminar a noite com alguém.

eu tenho uma tendência a gostar desse tipo de filme, uma vez que acabo me identificando pra caralho. principalmente porque a narrativa se encaminha pra um oceano de fails, e todos nós sabemos que o número de noites de festas e bebidas e busca por putaria (pra nem mencionar amor) que acaba em fail é bem maior que as que acabam em sucesso. ainda mais aqui, que os personagens são carismáticos e as situações são tão plausíveis e comuns do nosso dia-a-dia, como o veterano indo atrás da bixete gatinha e... bem, deixa pra lá.

o cinema é livre. não vamos ser arrogantes e pensar que todos os filmes tem que ser sobre filosofia ou guerra ou poesia tailandesa ou morte. não. todo mundo já foi adolescente, todo mundo já saiu à noite querendo beber até cair, trepar com alguém ou simplesmente dividir uma garrafa de vodka. não tem porque achar que isso é um tema menor que a filosofia godardiana. não é.

pra encerrar o assunto, o filme foi bem prejudicado por outra cópia horrorosa. porra, mostra, isso tá cada dia pior.

existe muito pouco a ser dito sobre esse novo godard, film socialisme. ele próprio encerra a obra com um "no comment" piscando na tela. e o cineasta francês - que todos sabem, é meu preferido, apesar de cada vez mais ser ameaçado por john cassavetes no posto - já não faz nada que se adeque à narrativa ou a estética tradicionais a pelo menos 40 anos, não ia ser agora que voltaria a isso. pelo contrário, cada vez que lança uma nova peça cinematográfica, mais transgride o que estamos acostumados, mais destrói os padrões.

é muito simples: você gosta de godard e suas loucuras? veja. vale a pena, recomendo completamente. não gosta, acha chato? passe longe. os problemas de todo mundo estão resolvidos. godard continua sendo godard e continuará até depois de sua morte. provocador, autêntico, inovador. os adjetivos mais clichês possíveis relativos a ele, mas que são extremamente precisos.

na mostra de 2004, eu vi um filme argentino chamado buenos aires 100 km, outro sobre um tema que as senhoras "intelectuais" que acham planos de florestas e filosofias de walter benjamin maiores que a vida não suportam: a transição da infância para a adolescência. nunca esqueci daquele filme, me marcou absurdamente. algumas cenas em especial tiveram uma identificação terrível. o campeonato de futebol, o primeiro beijo com a garota bonita da sala que ia embora em seguida, as coisas que antes significavam tudo na vida passando a não significar nada. marquei o nome do diretor: pablo jose meza. e esperei, um dia, outro filme dele.

foram seis anos até que, sem querer, vi na lista da mostra desse ano um tal a velha dos fundos, de pablo jose meza. opa, era ele de novo. tinha que ver, obrigatoriamente.

a velha dos fundos é um filme daquele gênero que eu admiro extremamente, os filmes sem conflito. não existe nenhuma situação limite movendo a trama, é o acompanhamento da vida de dois personagens medíocres levando suas vidas medíocres. a normalidade, o dia-a-dia, as conversas vazias, a falta de sentido em tudo. meza mais uma vez acertou em cheio pelo menos de forma pessoal comigo, já que é um tipo de narrativa que eu sempre pensei em desenvolver, e aliás tenho alguns esboços. mas não é uma obra especial, nem de perto se parece com buenos aires 100 km. não foi exatamente uma completa cobertura da expectativa, mas trata-se de um trabalho bem decente.

(o mito da liberdade - 2/4, film socialisme - 3/4, a velha dos fundos - 2.5/4)

domingo, 31 de outubro de 2010

mostra - dias 9 e 10


Tio Boonmee que pode recordar suas vidas passadas, de Apichatpong Weeresethakul

Depois de dez dias de mostra, ainda não sofri com nenhum grande problema de atraso, cópia que não chegou ou outros tipos de panes estranhas típicas, apesar de já ter ouvido alguns casos como o do áudio da vinheta ter vazado em cima da projeção já adiantada de um filme. Deve ter sido deveras engraçado alguma cena triste e sombria com aquela musiquinha ao fundo. Enfim, por um lado, sorte minha. Mas existe algo a ser realmente relatado com cuidado: a qualidade das cópias que o festival vem exibindo.

Algumas tem sido exibidas com problemas na cor, escuras demais ou claras demais. Outros filmes são completamente distorcidos devido à má conversão de formato. Porém, algumas sessões foram assustadoras. Segue o primeiro exemplo:

Quando começaram a aparecer na tela as primeiras imagens de Caterpillar, eu realmente achei que se tratava de uma opção estética do filme. Pareciam aqueles clipes televisivos da década de 60 que as emissoras jundiaienses passam de madrugada. Aos poucos, eu percebi: não, aquele realmente era o estado da cópia. E teve que ser assim até o final. Praticamente uma tortura, pior que qualquer dvd que você possa comprar em um terminal de ônibus com feira à sua escolha.

claro que a imersão neste filme de koji wakamatsu ficou bastante prejudicada, ainda mais para uma obra que tem como principal característica a busca do choque com imagens e situações fortíssimas. (percebi agora que eu tava usando letras maiúsculas no começo das frases, what the hell? nunca na minha vida fiz isso.) a intenção é ser uma crítica muito forte à guerra, e é com um "deus da guerra" que volta para casa sem nenhum membro, surdo, mudo e deformado e ainda assim é ovacionado por todos que se faz toda essa depredação. wakamatsu não poupa planos pelas faltas de membros e deformidades do guerreiro. é cruel e seco, tentando causar repulsa, tentando sempre manter um estado de tensão e inconformismo no ar.

eu não costumo gostar de filmes que busquem o choque pelo modo mais fácil, ou seja, jogando imagens fortes na tela o tempo todo. é um recurso fraco e que perde para a sutileza, a construção da situação que te devasta aos poucos. wakamatsu tem seu estilo de fazer cinema que, pelo menos pra mim, não funciona muito. mas reconheço os méritos e o grito anti-guerra.

a adaptação de gabriel garcia marquez do amor e outros demônios tem gerado muitos comentários positivos dos colegas e acabei indo ver. é um filme bastante sólido e com uma estética muitas vezes impressionante - principalmente pela fotografia e construção de planos - mas que sinceramente não me agradou muito. o desenvolvimento é extremamente rápido, as conclusões pulam na tela com uma velocidade absurda e mal deixam tempo para um clima ou uma percepção da trama. provavelmente a obra exigia uma duração bastante maior. me passou a impressão de um trabalho apressado, apesar de todos os méritos visuais. agora, é preciso ser dito que é outro nível de adaptação de garcia marquez, sem comparação com coisas medonhas como o amor nos tempos de cólera.

ah, tio boonmèe. é difícil entrar na sala sem lembrar dos comentários de cannes. entre eles, estavam alguns como é o melhor filme da história do cinema, estamos todos abraçando-nos! a expectativa era maior que o mundo.

vocês sabem, expectativas destroem qualquer coisa. pisam em cima. esmagam. não sobra nada do que realmente se achava que seria. é assim com tudo, de encontros amorosos a jogos de futebol. de mulheres quando tiram a roupa a lugares pra se conhecer. é assim, principalmente, com filmes.

e não me entendam mal - tio boonmèe é um belíssimo filme, repleto de poesia, com um imaginário e uma amenidade todos realmente conquistadores. com um jeito de filmar que é particular de joe e já, nesse seu princípio de obra, com os planos longos da vegetação, do vento balançando as árvores, com os personagens que são cheios de sabedoria. o filme é lindo, na verdade. o tom soturno dos diálogos, as vozes, os macacos, as cenas na caverna. o céu é superestimado. não tem nada lá. cinema marcante.

mas não é o melhor filme de todos os tempos. não é nem o melhor filme dessa mostra até aqui (cópia fiel). não é, principalmente, o melhor filme do próprio joe (eternamente sua).

passemos da tailândia para o sri lanka. da poesia para a escuridão.

karma, de prasanna jayakody, é tão ou mais pesado que caterpillar. provavelmente mais. e é repleto de boas idéias e demonstrações de talento. a porrada aparece logo de cara, com um plano longuíssimo de uma mulher morrendo de câncer se esforçando pra respirar numa cama. aquela respiração dolorida e demorada. a cena dói fundo no público. e outros exemplares do tipo virão durante a uma hora e vinte e pouco de projeção.

gosto de muita coisa aqui, mas infelizmente, acho que o filme se perde completamente quando se aproxima de sua conclusão. sem entrar em detalhes para não estragar nada, apesar de ser quase impossível que alguém que leia isso venha a assistir essa peça da cinematografia cingalesa, mas o talento está aí. certamente veria uma próxima aparição do sr. (ou sra?) jayakody no festival.

(tweetei que tinha visto um filme do sri lanka, ao que recebi uma resposta de uma garota provavelmente de lá, what you said about sri lanka? - existe coisa mais fascinante que o twitter?)

(ok, nós todos sabemos que existe)

o banho de sangue de takeshi kitano, ultraje, foi exibido também com uma cópia porquíssima, apesar de não se comparar com a horrível de caterpillar. é divertidíssimo, descompromissado, sem nenhuma intenção poética ou política - pura e simplesmente um banho de sangue, com mortes e assassinatos de todos os tipos, dedos cortados, fuzilamentos, esfaqueamentos e tudo o mais. guerra da yakuza no melhor estilo. provavelmente o filme mais leve da mostra. sim, eu sei que sou doente mental por essa afirmação.

(caterpillar - 2/4, do amor e outros demônios - 2/4, tio boonmèe que pode recordar suas vidas passadas - 3.5/4, karma - 2.5/4, o ultraje - 3/4)