sexta-feira, 30 de outubro de 2009

mostra - dia 8














Tyson, de James Toback: Documentário sobre a lenda do boxe e, mais que isso, a pessoa e a fera que se escondiam por trás delas. Infelizmente, é um filme praticamente sem nenhuma ambição, que usa a palavra 'documentário' no seu sentido mais puro. É praticamente uma entrevista de uma hora e meia com Tyson, com ele contando sua vida, sem esconder nenhum problema pessoal, erro ou momento turbulento, enquanto imagens de arquivo passam ao fundo, mostrando lutas, escândalos e o que mais existir. Poderia facilmente ser um Globo Reporter, sem maiores méritos cinematográficos ou defeitos. Nulo. Vale pela figura do boxeador. 2/4

Vencer, de Marco Bellochio: Aí sim temos um grande filme, melodrama no sentido mais puro, com Bellochio, grande cineasta italiano e muito familiar ao gênero, tomando controle da obra a partir do propósito de contar a história de Ida Dalser, amante secreta do duce Mussolini. Os elementos que movem o filme são muito bem construídos, e mais que isso, a direção de Bellochio é espetacular. Com cada elemento de cena sendo minimamente explorado e dominado, é um dos melhores filmes da mostra até agora. 3.5/4

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

mostra - dia 7












Backyard, de Carlos Carrera: esse é o tipo de filme para o qual existem dois tipos de pessoas - as muito boas e as muito ruins. essa distinção não é simplesmente perigosa, é absolutamente trágica para qualquer obra dramática que se preze. fica difícil acreditar na consistência de qualquer personagem, nas ações, até mesmo na sinceridade do diretor. a intenção de backyard, inicialmente um policial típico com estrutura absolutamente hollywoodiana, é ser um filme denúncia contra os assassinatos de mulheres em crimes sexuais, principalmente na cidade juarez, méxico, onde a trama se passa. queira ou não, acaba sendo eficiente nesse proposta, deixando um certo nó na garganta. mas o preço foi consideravelmente alto. 1.5/4

Mau Dia Para Pescar, de Alvaro Brechner: fazendo a velha brincadeira do contraste entre dois filmes, o que em backyard era o principal problema, aqui é a principal virtude: a construção dos personagens. mau dia para pescar é um filme relativamente leve sobre uma dupla formada por um cidadão que se intitula "príncipe", empresário, e o "campeão mundial" de luta-livre, homem imbatível, que viajam por cidadezinhas sul-americanas oferecendo espetáculos. centrado nesses dois personagens, o filme consegue conferir humanidade e dignidade suficiente aos dois, ambos complexos e com múltiplas faces. conforme acontece o desenvolvimento, temos uma aproximação de "o lutador", grande filme recente de darren aronofsky, mas sempre num tom mais alegre e, sobretudo, mais leve. ainda é bastante sóbrio estéticamente. grata surpresa. 2.5/4

Polícia, Adjetivo, de Corneliu Porumboiu: Taí o novo excepcional produto do cinema romeno. Vindo de Porumboiu, que já tinha feito "A Leste de Bucareste" - que é pelo menos um dos meus 3 filmes favoritos dos produzidos por essa geração sensacional - temos aqui ainda uma evolução do anterior, seguindo a mesma linha, de um filme lento e reflexivo, que se apoia em planos longuíssimos e diálogos tão longos quanto, discutindo aqui a justiça, a consciência e a moral, entre outros temas que vão aparecendo após um policial se recusar a prender um adolescente que fumava maconha por achar esse um motivo banal para se destruir a vida de alguém. A estrutura é a mesma do filme anterior de Porumboiu, mas claramente amadurecida, mais preparada para sustentar um desenvolvimento dentro das características já apresentadas. E mesmo com toda a duração dos planos, diálogos e o que for, o tempo passa voando durante a projeção. 3.5/4

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

mostra - dia 6














Corações em Conflito, de Lukas Moodysson: Uma grande fonte de bombas para o cinema nos últimos anos tem sido os filmes com histórias múltiplas se desenrolando, levando a uma tragédia inevitável e discutindo temas "importantíssimos" para a humanidade. Os dois maiores e mais fétidos exemplos são "Crash" e "Babel". Nessas obras, os cineastas manipulam os pobres personagens, que aliás, não são personagens, são meras marionetes do sofrimento e da catástrofe. A irritação é da anti-naturalidade das situações, de como tudo soa completamente forçado só para que as tragédias cheguem, abrindo um sorriso no rosto sádico dos diretores por terem destruído suas marionetes.

É aí que entra o cineasta de talento. Moodysson, conhecido por ser extremamente sutil e piedoso com seus personagens, após ter começado a carreira com "Amigas de Colégio" e "Bem-Vindos", duas obras bastante otimistas e leves ao tratar de temas complicados, migrou para um estilo mais sombrio que descambou no péssimo "Um Vazio em Meu Coração". Porém, ele se recupera aqui nesse "Corações em Conflito": Tem todo o cuidado que a obra pede, e por mais que a tragédia seja inevitável no final, ele cuida de seus personagens, que são absolutamente palpáveis, não julga ninguém, dá o direito à redenção. Não existem marionetes, são pessoas na tela. E Moodysson sabe conduzir suas histórias e levá-las a um final que não é feliz para muitos, mas um gosto amargo não precisa necessariamente ser deixado por sadismo contra as criações. Eu não gosto do estilo de câmera que é empregado aqui, mas é o de menos perto do grande anti-Babel que é esse Mammoth. 3/4

A 40ª Porta, de Elchin Musaoglu: Simplesmente tosco esse aqui. Do visual ao tema, tudo parece uma telenovela de emissora pobre dos anos 70. Personagens mal construídos, trama fraca, fotografia péssima. Me induzi ao sono após a primeira meia-hora. 0/4

O Que Resta do Tempo, de Elia Suleiman: Considerado por muitos como o filme que merecia a Palma de Ouro no último festival de Cannes, o novo filme de Suleiman é uma comédia dramática que visa sempre a repetição de gestos, a nulidade, a quebra do esperado e da temporalidade. Fazendo uma sátira política à guerra Israel-Palestina, são episódios da vida do diretor e de sua família contadas com muito bom humor através do estilo já conhecido do autor. Essa leveza nos atos, gestos e diálogos e na coordenação de cena levam a um resultado que beira o genial. Suleiman, como Buster Keaton, Charlie Chaplin, Woody Allen, Nanni Moretti, entre outros grandes comediantes do cinema, se coloca em cena e representa aqui a si mesmo, em algumas sequências antológicas. Com câmera estática o tempo todo, mas planos curtos, tem ainda uma excepcional mise-èn-scène. Uma jóia. 3.5/4

terça-feira, 27 de outubro de 2009

mostra - dia 5














Entre Dois Mundos, de Vimutkhi Jayasundara: Filme começa absolutamente excepcional, com imagens maravilhosas na tela, em planos muitíssimo bem construídos e dotados também de uma mise-en-scène impressionante. Dois planos em especial - o "alpinismo" e os rebeldes destruindo as televisões - Estão entre os melhores que já vi nessa mostra, se não forem os melhores. A consistência imagética se mantém até o final, com Jayasundara demonstrado ter total senso estético, mas o problema é que tematicamente o filme é vazio e não apresenta absolutamente nada que possa sustentar os planos infinitos e o ritmo lentíssimo que dominam toda a projeção. A dicotomia amor e morte é apresentada de uma forma já muito conhecida, e a poesia aqui não funciona muito. Fica a sensação que poderia ser uma obra-prima com um fundo mais elaborado. Uma pena. 2/4

Tokyo!, de Michel Gondry, Leos Carax e Joon-Ho Bong: Uma bobagem completa. Isso é o que define essa compilação de três estórias sobre a capital japonesa. A única que merece o mínimo destaque é a de Carax, sobre um homem que vive no esgoto e faz ataques terroristas à cidade, apelidado de Sr. Merde. O desenvolvimento as soluções visuais de Carax, porém, são estranhas demais. Bong não é nem de longe o cineasta de "O Hospedeiro" e de "Mother". Já pro Michel Gondry, só se pode falar uma coisa: Fique só nos videoclipes enquanto há tempo, por favor. 1/4

Independência, de Raya Martin: Belo filme do filipino Raya Martin, sobre uma família que se refugia da floresta pra se esconder da guerra civil. O preto-e-branco combina com o clima e é muito bem executado, o visual é delimitado de acordo com as intenções do cineasta, que conduz ainda algumas entradas deveras estranhas, como a informação sobre a chegada dos soldados norte-americanos, mas que acabam funcionando. Martin e Jayasundara, cineastas do programa de residência do festival de Cannes, demonstraram ambos muito talento, mas sem dúvidas o filme do filipino é superior ao do... (insira aqui a nacionalidade de quem nasceu no Sri Lanka). 3/4

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

mostra - dia 4












Águas Verdes, de Mariano de Rosa: Família vai viajar, problemas começam a acontecer e alguma situação limite se desenha durante férias que deveriam ser pura diversão e altas aventuras. Tenho certeza que já vi esse filme infinitas vezes. A situação limite aqui é a paranóia do patriarca da família em relação às pessoas que eles conhecem durante a viagem, um "outsider" viajante pelo mundo que passa a galantear a filha, menina de uns 15 anos, e um casal de lésbicas que faz amizade com a esposa. Pois bem. Digamos que o fator de absoluta irritação nesse filme é a falta de consistência dramática e construção psicológica dele. Os atos parecem jogados, sem conexão, a paranóia não é justificada em momento algum, não soando verossímil nem pelo roteiro, nem pela atuação. Acaba sendo uma experiência vazia, e que visualmente também não é das melhores. 1/4.

A Vida em Bloco, de Alfredo Hueck e Carlos Caridad: dois médias com a desculpa de serem estórias interligadas por um bloco de apartamentos pra estarem no mesmo filme e nada mais que isso. o primeiro é interessante, bastante bukowskiano, com um cidadão que vaga por bares, atrás de mulheres fáceis e bebidas, a noite toda. chega atrasado no trabalho sempre e tem uma barba gigante. o clima é todo legal, e o desenvolvimento agrada. mas não vai além disso, falta profundidade e algo que possa chamar melhor a atuação do espectador. o segundo é um completo desastre. não só o tema é bobo e incapaz de chegar perto de prender a atenção, como a estética é incrivelmente tosca, com fotografia de plástico e quadros fechados sempre numa linguagem muito televisiva. no mínimo, irritante. 1/4.

O Fantástico Sr. Raposo, de Wes Anderson: Anderson é um daqueles "cineastas de um tema só", e volta a ele aqui mais uma vez. A família, agora, é uma família de raposas, que vivem em uma árvore, cujo o pai, outrora ladrão de galhinhas, após anos como 'trabalhador sério', deseja voltar a ativa e praticar um último roubo. Desde o fato de ser uma animação, já se imagina um filme bem mais leve, e de fato é o que ocorre. É engraçado, com o humor típico de Anderson, mas não avança tanto no sarcasmo e na profundidade. Fica longe de ser um Royal Tenembaums, mas não tem intenção de ser, também. 2.5/4

mostra - dia 3
















Bad Lieutenant, de Werner Herzog: refilmagem polêmica do filme de abel ferrara, esse policial com nicolas cage (na atuação da sua vida fácil, melhor ainda que em despedida em las vegas - onde, a exemplo daqui, era um viciado) exagera no politicamente MUITO incorreto, com direito a tortura de velhinhas e ao herói fazendo tudo de errado que é possível que um oficial da lei fazer - usa drogas, rouba drogas dos presos, planta provas, namora uma prostituta, aceita sexo como forma de suborno das mulheres, se associa com traficantes, etc etc etc etc. e o resultado disso é hilário. quanto mais fundo o buraco cavado pelo personagem de cage, mais bizarras e inacreditáveis ficam as situações, e mais engraçado o negócio todo fica. herzog acerta na mão, não liga pra possíveis restrições da ala conservadora e se libera totalmente. direção segura, deixando o filme fluir. e que a alma continue dançando depois da morte. 3/4

À Procura de Eric, de Ken Loach: eric cantona rouba a cena e domina esse filme estranho à filmografia de ken loach. o ex-centroavante MITO do manchester united aparece totalmente à vontade, numa obra que o futebol lança o tom da comédia, mas mais tarde serve também como pano de fundo pra uma mudança de gêneros - que é extremamente bem conduzida pelo diretor. de qualquer forma, é bastante previsível - pra não dizer clichê - e vale mais como objeto de diversão e nada mais. 2/4

Alga Doce, de Andrzej Wajda: terceiro filme do dia, terceiro de um grande mestre do cinema. alga doce é um desses exercícios de fronteira entre documentário e ficção, e essa relação aqui é até bem interessante - de um lado, a atriz principal declama monólogos sobre a morte do seu marido, do outro, ela atua no filme que fazia enquanto ele morreu. problema é que isso não tem muito pra onde ir, a parte documentário é sem dúvida bem pensada, mas um monólogo sobre uma morte tem predisposição a se tornar cansativa bem rápido, e a parte ficção não tem quase sentido nenhum de existir, sendo absolutamente raza quando comparada ao monólogo. ou seja, o filme se torna bastante sonolento sem muita demora. 2/4

domingo, 25 de outubro de 2009

mostra - dia 2












35 doses de rum, de claire dennis: um olhar sobre a separação entre pais e filhos vindo da diretora francesa claire dennis. no caso, é separação entre pai e filha. eles moram num pequeno apartamento no subúrbio parisiense, ele é operador de trens, ela é a melhor aluna da sala. o filme se desenvolve, mas é muito arrastado, demora muito pra chegar a algum ponto realmente interessante. a partir daí, tem algumas passagens magníficas, como toda a sequência entre a saída pro teatro que acaba num mini-baile num boteco. a resolução é a esperada, mas nada no filme salta muito aos olhos, em campo algum. vale por ser mais uma peça na interessante cinematografia da diretora. 2/4

ervas daninhas, de alain resnais: depois de fazer o excepcional "medos privados em lugares públicos", resnais apareceu na seleção oficial de cannes com esse aqui. a impressão clara é que o diretor, já com 87 anos e sem dúvida um dos maiores mestres de toda a história do cinema, autor de obras-primas como "noite e névoa" e "o ano passado em marienbad", hoje faz filmes se divertindo absurdamente, sem maiores preocupações. esse é todo o aspecto de ervas daninhas, comédia romântica com toda a habilidade estética de resnais, brincadeiras narrativas, bom humor destilado por todos os lados. é uma obra que nem parece de um senhor de 87 anos. mas é, e ele ainda tem toda essa competência pra, mais que se divertir, fazer o público todo feliz. 3/4

sussurros ao vento, de shahram alidi: antes de mais nada, fotografia lindíssima, um filme com cuidados especiais de câmera, de colocação, com muitos pontos de reflexão sobre a imagem - todo movimento tem sentido, é cuidadosamente planejado, um trabalho realmente sensacional. o filme é sobre um mensageiro que viaja pelo curdistão, eerr, entregando mensagens. "perdi meu filho na guerra", "por favor, peçam pro meu filho voltar", etc etc etc. basicamente, é um grito extremo de manifesto nacionalista do curdistão, com algumas cenas que GRITAM liberdade, como a transmissão por uma rádio proibida do choro de um recém-nascido após um massacre do exército iraquiano, como se quisesse dizer "os curdos vivem". me irrita um pouco fazer um filme com todos esses clichês sobre o sofrimento de um povo oprimido, mas colocando na balança, esse aqui é realmente foda. 3/4

mother, de bong joon-ho: aclamado mundialmente pelo terror esquisito o hospedeiro, lançado uns dois ou três anos atrás, o coreano bong joon-ho volta agora com um suspense esquisito, história sobre uma mãe de um filho retardado que tenta provar a inocência após seu filho ser acusado de assassinato. digo esquisito porque são infinitos elementos de comédia enfiados no meio de uma forma bem atípica, como já ocorria em o hospedeiro. o negócio aqui é que a construção do filme é sensacional, tanto no que diz respeito ao clássicoinvestigação do crime, principalmente nos personagens, todos com começo, meio e fim em suas trajetórias - impossível não pensar em moral ao escrever aqui, mas eu não gosto da palavra e talvez o filme também não goste. fato é que, se não é uma obra-prima, chega perto. 4/4

nota-se como fator interessante aí o fato que os dois melhores filmes até agora são asiáticos. vamos ver como esse painel se desenvolve durante a mostra.

mostra - dia 1












eu gostaria de poder chegar aqui no primeiro dia de uma mostra e dizer que não houve nenhum problema técnico. a desorganização é sempre assustadora, com algo acontecendo pra atrapalhar toda a programação de uma sala ou mais. hoje, felizmente, não foi nada referente a atrasos, e sim o sistema de legendas eletrônicas do espaço unibanco que não funcionou, pelo menos enquanto eu estava por lá. o primeiro filme, 'ramirez', era espanhol, e o segundo, 'aviões de papel', húngaro. pra nossa extrema sorte, este tinha embutidas legendas em inglês. seria melhor que não tivesse. pelo menos poderíamos nos divertir brincando de decifrar o que os personagens falavam pra fazer o tempo passar mais rápido.

'ramirez' e 'aviões de papel' nem merecem textos separados. são dois filmes que sofrem dos mesmos infinitos problemas. muitos desses problemas são coisas comuns dentro do cinema, desde sempre. personagens sem construção nenhuma, cujas ações são soltas, vão do nada ao lugar nenhum. no caso do filme espanhol, a situação é absolutamente inexplicável, visto que ele é todo centrado no personagem principal, ao contrário do húngaro que é uma junção de oito, nove ou vinte - não tive muita paciência pra me preocupar com isso - estórias diferentes, todas contadas com ceninhas rápidas de um ou dois minutos e pulando novamente pra seguinte. o genial aqui é a falta de necessidade de existência de algumas (95%, digamos) desses micro-estórias. uma delas, exemplificando, é sobre um escritor que não consegue escrever. passagem um: ele sentado à máquina. passagem dois: ele levanta e faz um lanche. passagem três: ele senta de novo, mas o telefone toca. e assim por diante. até o final. nada, absolutamente nada, acontece. eu entenderia até uma negação da narração tradicional, mas claramente não é a intenção do excelentíssimo sr. diretor.

'ramirez', sim, é uma obra que tem uma construção atípica de narrativa, uma vez que, no começo, as cenas aparentemente não tem maior ligação umas com as outras. vemos o personagem título traficando drogas, depois, saindo com uma mulher, depois, visitando a mãe, depois, tirando fotos. essa é a apresentação do personagem. não existe, porém, coerência psicológica. os atos não batem, não existe construção. e, depois, ainda a não-narrativa é abandonada. uma linha comum passa a ser seguida. não que isso o torne melhor ou pior.

tudo bem, seriam apenas dois filmes ruins se não houvesse o fator principal de irritação: a câmera. sabe-se lá porque, mas nos dois casos há uma incapacidade de mantê-la quieta. vamos descrever: câmera chega a uma imagem onde está o centro da ação. câmera para, ação decorre. de repente, DO NADA, sem mudança nenhuma do centro da ação, a câmera treme, se mexe, se movimenta, sem sentido nenhum. é simplesmente um tique dos diretores, dos operadores de câmera ou de alguém da equipe. mas em ambos os filmes, isso ocorre com frequência. além disso, 'ramirez' é consideravelmente mal-iluminado, mas depois de tanta coisa, isso já nem faz tanta diferença.

desci do espaço unibanco pro frei caneca com a esperança do dia ser salvo por still walking, o novo kore-eda, cineasta que eu tinha uma admiração relativa, principalmente por depois da vida e ninguém pode saber. ok, nem precisava ser um GRANDE filme, eu já estaria feliz em não ver uma câmera com epilepsia, o que seria pouquíssimo provável de se repetir pelo passado da obra do diretor. alívio extremo: 120 minutos com uns 118 de câmera estática. tudo devidamente compensado. meus olhos agradecem.
(e não me entendam errado, eu admiro - e muito - movimentos bem-feitos de câmera, isso é uma mera questão de opção dos autores e não tem nada a ver com a qualidade do filme, EXCETO quando se deu ecstasy pra câmera antes de iniciar as gravações).

tá, isso é o de menos no caso de 'still walking', apesar de ter a ver com a homenagem a yasujiru ozu, que está contida também - e sobretudo - no tema e seu desenvolvimento. temos aqui uma reunião de família, três gerações - avô e avó, dois filhos, cônjuges, três netos. preparativos pro almoço, chegada dos filhos, diálogos. personagens sendo construídos tijolo a tijolo. tensão surgindo do desenvolvimento deles. personalidades, olhares, diálogos. nenhum julgamento. todos são seres humanos absolutamente palpáveis, a senhora é a encarnação japonesa da minha avó, por exemplo. as discussões sobre trabalho, tradições, futebol, criação dos filhos e tudo o mais estão lá e vão levando aos temas centrais desta obra de kore-eda.

tempo, dor, perda, tradições. todos eles, com o desenvolvimento de 'still walking', surgem no primeiro plano. os personagens passam, essas quatro palavras continuam. o que nós vemos é a passagem e a continuação. 'still walking'. a vida continua. as tradições continuam. o tempo continua. e o diálogo final ainda, na minha sincera impressão, reflete o cinema japonês, de ozu pra kore-eda - sem comparações, por favor - nos personagens do filme.

ramirez, de albert arizza - 1/4
aviões de papel, de simon szabó - 0/4
seguindo em frente, de hirokazu kore-eda - 4/4