domingo, 31 de outubro de 2010

mostra - dias 9 e 10


Tio Boonmee que pode recordar suas vidas passadas, de Apichatpong Weeresethakul

Depois de dez dias de mostra, ainda não sofri com nenhum grande problema de atraso, cópia que não chegou ou outros tipos de panes estranhas típicas, apesar de já ter ouvido alguns casos como o do áudio da vinheta ter vazado em cima da projeção já adiantada de um filme. Deve ter sido deveras engraçado alguma cena triste e sombria com aquela musiquinha ao fundo. Enfim, por um lado, sorte minha. Mas existe algo a ser realmente relatado com cuidado: a qualidade das cópias que o festival vem exibindo.

Algumas tem sido exibidas com problemas na cor, escuras demais ou claras demais. Outros filmes são completamente distorcidos devido à má conversão de formato. Porém, algumas sessões foram assustadoras. Segue o primeiro exemplo:

Quando começaram a aparecer na tela as primeiras imagens de Caterpillar, eu realmente achei que se tratava de uma opção estética do filme. Pareciam aqueles clipes televisivos da década de 60 que as emissoras jundiaienses passam de madrugada. Aos poucos, eu percebi: não, aquele realmente era o estado da cópia. E teve que ser assim até o final. Praticamente uma tortura, pior que qualquer dvd que você possa comprar em um terminal de ônibus com feira à sua escolha.

claro que a imersão neste filme de koji wakamatsu ficou bastante prejudicada, ainda mais para uma obra que tem como principal característica a busca do choque com imagens e situações fortíssimas. (percebi agora que eu tava usando letras maiúsculas no começo das frases, what the hell? nunca na minha vida fiz isso.) a intenção é ser uma crítica muito forte à guerra, e é com um "deus da guerra" que volta para casa sem nenhum membro, surdo, mudo e deformado e ainda assim é ovacionado por todos que se faz toda essa depredação. wakamatsu não poupa planos pelas faltas de membros e deformidades do guerreiro. é cruel e seco, tentando causar repulsa, tentando sempre manter um estado de tensão e inconformismo no ar.

eu não costumo gostar de filmes que busquem o choque pelo modo mais fácil, ou seja, jogando imagens fortes na tela o tempo todo. é um recurso fraco e que perde para a sutileza, a construção da situação que te devasta aos poucos. wakamatsu tem seu estilo de fazer cinema que, pelo menos pra mim, não funciona muito. mas reconheço os méritos e o grito anti-guerra.

a adaptação de gabriel garcia marquez do amor e outros demônios tem gerado muitos comentários positivos dos colegas e acabei indo ver. é um filme bastante sólido e com uma estética muitas vezes impressionante - principalmente pela fotografia e construção de planos - mas que sinceramente não me agradou muito. o desenvolvimento é extremamente rápido, as conclusões pulam na tela com uma velocidade absurda e mal deixam tempo para um clima ou uma percepção da trama. provavelmente a obra exigia uma duração bastante maior. me passou a impressão de um trabalho apressado, apesar de todos os méritos visuais. agora, é preciso ser dito que é outro nível de adaptação de garcia marquez, sem comparação com coisas medonhas como o amor nos tempos de cólera.

ah, tio boonmèe. é difícil entrar na sala sem lembrar dos comentários de cannes. entre eles, estavam alguns como é o melhor filme da história do cinema, estamos todos abraçando-nos! a expectativa era maior que o mundo.

vocês sabem, expectativas destroem qualquer coisa. pisam em cima. esmagam. não sobra nada do que realmente se achava que seria. é assim com tudo, de encontros amorosos a jogos de futebol. de mulheres quando tiram a roupa a lugares pra se conhecer. é assim, principalmente, com filmes.

e não me entendam mal - tio boonmèe é um belíssimo filme, repleto de poesia, com um imaginário e uma amenidade todos realmente conquistadores. com um jeito de filmar que é particular de joe e já, nesse seu princípio de obra, com os planos longos da vegetação, do vento balançando as árvores, com os personagens que são cheios de sabedoria. o filme é lindo, na verdade. o tom soturno dos diálogos, as vozes, os macacos, as cenas na caverna. o céu é superestimado. não tem nada lá. cinema marcante.

mas não é o melhor filme de todos os tempos. não é nem o melhor filme dessa mostra até aqui (cópia fiel). não é, principalmente, o melhor filme do próprio joe (eternamente sua).

passemos da tailândia para o sri lanka. da poesia para a escuridão.

karma, de prasanna jayakody, é tão ou mais pesado que caterpillar. provavelmente mais. e é repleto de boas idéias e demonstrações de talento. a porrada aparece logo de cara, com um plano longuíssimo de uma mulher morrendo de câncer se esforçando pra respirar numa cama. aquela respiração dolorida e demorada. a cena dói fundo no público. e outros exemplares do tipo virão durante a uma hora e vinte e pouco de projeção.

gosto de muita coisa aqui, mas infelizmente, acho que o filme se perde completamente quando se aproxima de sua conclusão. sem entrar em detalhes para não estragar nada, apesar de ser quase impossível que alguém que leia isso venha a assistir essa peça da cinematografia cingalesa, mas o talento está aí. certamente veria uma próxima aparição do sr. (ou sra?) jayakody no festival.

(tweetei que tinha visto um filme do sri lanka, ao que recebi uma resposta de uma garota provavelmente de lá, what you said about sri lanka? - existe coisa mais fascinante que o twitter?)

(ok, nós todos sabemos que existe)

o banho de sangue de takeshi kitano, ultraje, foi exibido também com uma cópia porquíssima, apesar de não se comparar com a horrível de caterpillar. é divertidíssimo, descompromissado, sem nenhuma intenção poética ou política - pura e simplesmente um banho de sangue, com mortes e assassinatos de todos os tipos, dedos cortados, fuzilamentos, esfaqueamentos e tudo o mais. guerra da yakuza no melhor estilo. provavelmente o filme mais leve da mostra. sim, eu sei que sou doente mental por essa afirmação.

(caterpillar - 2/4, do amor e outros demônios - 2/4, tio boonmèe que pode recordar suas vidas passadas - 3.5/4, karma - 2.5/4, o ultraje - 3/4)

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

mostra - dia 8


Minha Felicidade, de Sergei Loznitsa

existem dois tipos de pessoas que são realmente capazes de me irritar: as lerdas e as folgadas. normalmente, quando eu ando nas ruas ou em algum lugar público e me deparo com elas atrapalhando a vida alheia é absolutamente impossível não notar minha completa situação de transtorno. porém, tudo sempre pode piorar: existem as pessoas lerdas E folgadas.

na mostra, essas pessoas se personificam em um ato: aqueles seres doentios e enviados por satanás que insistem em montar sua programação na fila da central. a tragédia ocorre da seguinte forma: você, com pressa e quinze minutos para seu próximo filme começar, chega na fila e percebe que são só três pessoas à sua frente. tranquilo, dará tempo, você pensa imediatamente. porém, faltando só um ser para finalmente sua vez chegar, ocorre o episódio demoníaco: a criatura, talvez por puro sadismo, tira o catálogo da bolsa e começa ali a marcar o que pretende ou não ver. e assim vai por infinitas horas, inclusive com perguntinhas para o atendente: e aí, vejo o sol ensolaradamente solar ou a ascenção e a queda dos jacarés tailandeses? ah, se você tivesse um machado ou algo que causa uma morte dolorosa, hein?

senhores, hoje eu perdi hora, não acordei a tempo e acabei chegando no cinema para ver o documentário sobre william burroughs GÊNIO com meia hora de atraso. um absurdo pessoal. missão abortada. tive que me virar pra escolher outro filme para ocupar o espaço.

o escolhido foi o italiano o herdeiro, de michael zampino. infelizmente, é um produto sub-supercine, com alguns momentos engraçados ou de relativo interesse mas afundado em clichês e situações padrão do suspense hollywoodiano. mostremos só a sinopse: homem herda uma casa da qual nem sabia a existência de seu pai. ao chegar lá, conhece seus vizinhos estranhos e sua vida começa a desmoronar com revelações estranhas e perigo constante. pô, sessão da tarde, tem um emprego pra mim aí? só faltou um incríveis confusões.

pois bem. seria ótimo se a produção não apelasse à árvore que cai e impede a estrada de volta ou à construção totalmente absurda de personagens. com todos esses trejeitos batidos e imperdoáveis, qualquer cena engraçada ou divertida fica difícil de ser engolida.

é o contrário do que acontece no aclamadíssimo minha felicidade, de sergei loznitsa. um filme que foge de padrões, cria sua própria narrativa, seu próprio jeito de contar estórias, mas, mais que isso, fazer um mosaico que forme um painel desolador e brutal da rússia contemporânea e passada.

minha felicidade transpira violência e medo o tempo todo. qualquer pessoa presente pode ser morta por qualquer outra a qualquer momento. o plano inicial já mostra um cadáver abandonado sendo coberto por concreto. daí em diante, é o desenvolvimento de mini-contos sempre com o mesmo final, sempre com a mesma moral. a maioria deles possui um poder absoluto. o filme tem intenção de ser pesado e consegue com muita facilidade.

acaba sendo um exemplar do cinema russo de sempre - silencioso, lento, introspectivo - mas também com os dois pés no novo cinema romeno, que aliás é a nacionalidade de seu diretor de fotografia. o clima de terror, porém, perdura a projeção toda e fica ainda por um tempo.

pela temática e violência, seria um o albergue em versão road movie de arte. e deve reduzir os intercâmbios pra rússia em uns 95%, a não ser que as pessoas andem dentro de um bunker nas ruas.

ok, desculpem pelo último parágrafo de piadinhas mesmo em um filme como esse. simplesmente não posso evitá-las. foram os primeiros comentários feitos na saída do cinema, aliás.

e amanhã tem tio boonmèe!

(o herdeiro - 1.5/4, minha felicidade - 3.5/4)

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

mostra - dia 7


Ex Isto, de Cao Guimarães

novamente, acabei perdendo um dia de mostra por motivos pessoais que nem sequer merecem ser relatados aqui - acreditem, se eu começasse a dizer, acabaria virando um livro, e um livro extremamente amargurado, revoltado e capaz de esculhambar um sem número de pessoas com palvrões, xingamentos e até mesmo socos de boxeadores pulando para fora da tela do computador. algum dia, talvez, eu coloque tudo isso no papel e publique, mas não será por meio deste blog.

dito isso, a boa notícia: esse provavelmente foi o último dia perdido de mostra. temos sete ininterruptos pela frente pra destruir o que sobra das capacidades soníferas e alimentícias deste corpo.

o sétimo dia oficial no calendário da mostra - quinto, portanto, com a minha presença - começou com ex isto, de cao guimarães, uma encenação absolutamente experimental sobre como teria sido uma visita de rené descartes ao brasil. é uma obra bastante conflitante em alguns aspectos e que acaba sendo sua principal inimiga, usando aqui este clichê dos esportes. impressionante esteticamente - um filme com longos planos do ator joão miguel, interpretando decartes, em diversas situações nos trópicos e da natureza e outros, sempre com narrações filosóficas ao fundo.

algumas imagens realmente são incrivelmente boas, ficando aqui o destaque pra um super close de uma aranha construindo uma teia. infelizmente, esse combo perfeição técnica de planos longos de praticamente nada (pelo menos por meia hora não existe outro ator em cena) + voz over com constatações filosóficas caminha de forma inevitável pra um sonífero infalível. quando o filme começa a surtar e inserir imagens e situações deslocadas dessa realidade toda, criando uma nova perspectiva e deixando de lado um suposto pedantismo, já é tarde demais. de qualquer forma, ex isto é, no mínimo, passível de interesse.

no mínimo passível de interesse também pode ser considerado o caso das divisões morituri, de fj ossang, o alvo da retrospectiva da mostra nesse ano. eu tenho uma pequena tendência a gostar de filmes malucos e pouco ortodoxos, e esse é completamente um deles. ossang, que desejou boa sorte à platéia antes do início da projeção, cria um universo à parte no qual gladiadores se matam em arenas e a polícia tenta impedir as apostas nesse jogo, indo atrás tanto dos lutadores como dos apostadores. a partir daí, se desenvolve uma ficção que foge de clichês e lugares comuns e se comporta de maneira absolutamente anômala, explorando várias das possibilidades imagéticas que o cinema oferece - desde variações nos tons de cor, enquadramentos e transições até as formas mais simples, como subtítulos que não deixam de piscar e se repetir na tela.

difícil partir de um filme como esse para algo tão quadrado e repetitivo como i wish i knew, de jia zhang-ke. eu provavelmente estarei dizendo algo que já disse antes, mas essa é uma frase metalinguistica: se algum dia eu encontrar zhang-ke na rua, vou pedir por favor, tenha caridade conosco e pare de SEMPRE FAZER A PORRA DO MESMO FILME. se você já viu qualquer um dos documentários desse cineasta sobre a china moderna, já viu este também. as pessoas vão rememorar suas infâncias e adolescências e as estórias de suas famílias na época da revolução sendo gravadas em lugares ermos, com cores frias e sem nenhuma interação com o público, a equipe ou qualquer outra coisa. uma vez, passa. mas é o trigésimo quinto filme igual de zhang-ke.

(aliás, observação pertinente feita hoje na fila enquanto aguardávamos pelo coutinho - zhang-ke tomou o lugar do amos gitai como cineasta mais repetitivo da atualidade. podíamos fazer um bolão sobre daqui a quantos filmes ele vai sair do rolê documentários sobre a china moderna, que tal?)

então, o misterioso e desconhecido um dia na vida, de eduardo coutinho. o filme sobre o qual ninguém sabia nada. o filme que, antes de ser iniciado, gerou devolução do ingresso pra todo mundo na fila - e porra, valeu mostra, mas vocês me deram dois ingressos de graça em vez de um - amamos quando esses erros acontecem! resumindo:

coutinho gravou 24 horas de todas as emissoras de televisão aberta brasileiras e fez uma colagem de uma hora e meia com tudo que existe de pior nelas. márcia, datena, casos de família, etc etc etc. é isso. começa com teleaulas de inglês, termina com venda de jóias na madrugada. obviamente, sem esquecer dos programas religiosos.

eu não quero entrar na discussão se isso é um filme ou não. não sei. não gosto de conceitos fechados e corretos, são coisas que pra mim não existem. se, com uma arma na minha cabeça, tivesse que escolher, eu diria que não - e é por isso que me abstenho de dar nota, apesar de ter achado uma experiência deveras interessante e ter gargalhado bastante com todas as bizarrices exibidas.

vale lembrar que provavelmente esse filme nunca mais será exibido, em lugar nenhum. questão de direitos autorais, vocês devem saber. por isso também foi mantido em segredo até o início da projeção.

(ex isto - 2.5/4, o caso das divisões morituri - 2.5/4, i wish i knew - 2/4, um dia na vida - s/n)

terça-feira, 26 de outubro de 2010

mostra 2010 - dias 4 e 5


Cópia Fiel, de Abbas Kiarostami

senhores leitores, vejam o tamanho da minha tragédia:

decidi que sacrificaria o terceiro dia da mostra devido à minha paixão pelos esportes. no caso, naquele domingo, meus dois times do coração entrariam em campo para enfrentar seus arqui-rivais: o palmeiras jogaria contra o corinthians, o oakland raiders contra o denver broncos. um jogo às dezesseis horas pela televisão, o outro às dezoito pela internet. tudo devidamente encaminhado. até que, ao acordar, me deparo com uma grande surpresa: nada funciona.

a espera pela volta dos serviços prestados pela excelentíssima net durou o dia inteiro, sem nenhum sucesso. tive que ouvir pelo rádio o palmeiras ser derrotado por 1 a 0 e ver pelo play by play da internet do celular os raiders massacrarem os broncos por 59 a 14. e sem mostra. e sem filmes. e sem nada.

feito este amargurado relato, vamos ao que importa:

de volta à correria na segunda-feira, iniciamos com lost paradise in tokyo, drama bastante correto sobre dois irmãos e uma garota que se envolve com ambos tentando criar um mundo próprio dentro da capital japonesa. um dos irmãos é autista e tem um episódio bastante doloroso no passado, o que faz com o que o outro, a princípio, o mantenha constantemente trancado dentro do apartamento enquanto trabalha. aos poucos, uma compreensão maior cai entre a trupe e vemos aquelas mensagens que vocês já sabem quais são.

vou citar um ponto negativo específico que me irritou bastante e me impediu de gostar mais dessa obra de kazuya shiraiashi: o filme é de um maniqueísmo quase vontrieriano, existindo os três personagens em comunhão a partir de um certo momento lutando pelo bem e pela paz em suas vidas e encontrando no resto do mundo perversão e maldade. chega a ser praticamente desastroso o tratamento dado às pessoas externas aos três a partir de aproximadamente uma hora de filme. apesar disso, é uma obra sólida e bem construída, tanto temática como esteticamente. houvesse um pouco mais de tato da direção nesses momentos decisivos e o resultado poderia ter sido bem satisfatório.

momento de indignação, parte 1:

um homem abre um sex-shop. piadas com pintos. piadas com vibradores. piadas com bonecas infláveis. rejeição da sociedade. conflito. piadas com casais de velhos e pessoas mau-humoradas agora felizes. mais piadas com pintos. piadas com impotências. ah, o personagem principal é gordinho e desajeitado e tem um affair com uma delicinha completa.

que filme é esse? não, não é american pie 23, é revolução da luz vermelha, idiotice completa. que porra isso tá fazendo na mostra, sr. cakoff?

fim do momento de indignação, parte 1. sigamos. esse filme foi selecionado pelo programa petrobras cultural 2003. esses letreiros aparecem antes de bróder, de jefferson de. e eu que achava que meu média tinha demorado demais pra ficar pronto.

bróder, porém, é um filme muitíssimo bem construído, mesmo sendo mais um exemplar do rolê já clássico do cinema brasileiro galera da periferia. sempre lembro, nessas horas, do extinto turma do gueto da record e seu glorioso refrão de abertura, e aí malandraaagem. genial. voltemos ao que importa.

apesar de estar o tempo todo flertando com o crime e a tragédia, bróder se desenvolve como uma história - como o nome já sugere - sobre família e amizade. o filme mantém um ritmo constante e bastante acelerado, seus atores principais seguram a onda da dramaticidade toda - principalmente um caio blat versão mano sensacional - e tudo acaba sendo bem amarradinho e desenvolvido. não chega a ser uma obra-prima, nem um cidade de deus - e provavelmente a pretensão nem passa perto disso - mas o que importa é que ele tanto entretem como possui várias qualidades bastante louváveis. além, claro, do troféu diálogo da mostra até aqui:

- não é brother que fala, é mano, mano.

eu estou aqui enrolando pra falar sobre cópia fiel, do abbas kiarostami, talvez porque simplesmente eu não saiba o que falar sobre ele. me causou um efeito de embasbacamento gigante ao seu término, tanto com toda sua elegância - esse iraniano sabe onde por a câmera como ninguém, ou como poucos, como também quanto movimentá-la ou não, o que fazer com ela em cada situação. toda a sequência inicial, plano estático da mesa de entrevista enquanto vemos os créditos já é incrível e dá o tom do que virá a seguir - como por seu tratamento com o roteiro, com os personagens, com o desenvolvimento. aliás, a palavra elegância cabe pra essas instâncias também de forma brilhante.

dito isso, lembro da juliette binoche ao receber o prêmio de melhor atriz em cannes, agradecendo muito ao kiarostami pelo papel. o carinho do cineasta com os personagens é impressionante e transparente em cada cena. não quero interpretar nada, não quero dizer o que eu acho das "surpresas" durante a projeção. de verdade, não me importa. acho que não deveria importar a ninguém. fiquem com as impressões que quiserem, eu fico com as minhas.

um pobre cineasta francês, benoit magne, aparece numa sala de cinema em são paulo, numa terça-feira à tarde, e diz que aquela é a primeira exibição de seu filme NO MUNDO TODO. e eu ali, perdido. esse filme era o inesperado. simpático, barato, me identifico com esses sonhadores de vinte e poucos anos contando estórias sobre jovens tentando achar seus lugares no mundo - e estórias sem dinheiro nenhum para serem contadas. o problema é que essa aventura do sr. magne até ia bem, não como uma obra-prima, mas como um filme simpático e divertido até que a excelentíssima senhora personagem principal surta e começa a agir de forma totalmente diferente. pra um filme com foco TOTAL no seu objeto de retrato - no caso, essa garota - ter falhas tão gritantes de construção de personagem é um negócio quase destruidor.

momento de indignação, parte 2:

um adolescente sentado numa cama tem uma lista com nomes de garotas, a maioria já riscados. ele liga pra próxima, que atende, a princípio não se lembra dele e depois diz que terminou com o namorado. ela o convida pra ir à eslováquia. ele aceita. eles vão. após alguns dias lá, começa a pintar um clima. ela tenta beijá-lo, ele se recusa. foge. brigam. ela pega um cara num bar e ele fica puto com isso (?). ele faz um escândalo (???). ele vai a um bar, pega uma garota e, quando ela se oferece pra um boquete, ele fica transtornado e foge (?????).

puta que pariu, sra. ingrid veninger, diretora deste modra, se sua intenção era fazer o romance adolescente com os dois personagens mais irritantes, imbecis, mimados e tapados da história, você conseguiu, parabéns.

fim do momento de indignação, parte 2. terminemos.

para encerrar minhas escritas no dia da trágica notícia da morte do polvo paul, digo que cheguei hoje à conclusão que minhas aulas de russo tem sido completamente inúteis. isso porque entendi só uma meia-dúzia de palavras ditas em minha perestroika, documentário sobre os efeitos da abertura política russa na vida de alguns habitantes do país da vodka. é interessante e bem feito, mas me senti assistindo ao history channel. dispensável, a não ser por uma aula de laboratório de luxo.

(lost paradise in tokyo - 2/4, revolução da luz vermelha - 0/4, cópia fiel - 3.5/4, bróder - 2.5/4, o inesperado - 1/4, modra - 0/4, minha perestroika - 2/4).

sábado, 23 de outubro de 2010

mostra 2010 - dia 2


A Espada e a Rosa, de João Nicolau

existe uma doce ilusão que anda com você todos os anos na hora de montar sua grade pra mostra: esse ano, vou ser mais inteligente e deixar espaços de pelo menos uns 40 minutos pelo menos uma vez por dia, assim, posso me alimentar! pura e dolorosa ilusão. aos poucos, você percebe que é impossível. quando por um milagre do acaso você realmente consegue deixar esse espaço, vai ser atingido por qualquer tipo de outro imprevisto: restaurantes demorados, filas intermináveis, bares lotados. é como se uma força oculta do mundo te OBRIGASSE a almoçar ou jantar diariamente dentro das salas ou dos ônibus ou correndo pela augusta.

pior que isso, quando você insiste em almoçar decentemente sacrificando, com isso, quinze ou vinte minutos do próximo filme - o que obviamente é um erro imenso - será inevitável ter que sentar no chão ao lado da primeira fileira no filme seguinte. com o resto da cerveja na mão. com objetos estranhos tapando um pedaço da tela. e assim, segue eternamente a vida de mostra.

ano passado, um dos meus filmes preferidos na mostra foi still walking, fábula familiar lindamente dirigida por hirokazu kore-eda. o japonês, responsável também por ninguém pode saber, depois da vida, entre outras preciosidades, aparece agora com air doll. e a decepção não tinha como ser maior.

sendo direto ao ponto, o que me assusta nesse conto sobre uma boneca inflável que de repente ganha vida e sentimentos é a simploriedade como tudo é tratado. são metáforas óbvias e rasas em diálogos ainda mais óbvios e rasos. eu sou vazia por dentro, diz a personagem principal, ao que ouve a resposta todos nós somos. uau, parabéns, kore-eda!

a narrativa se desenvolve com a boneca aos poucos descobrindo o que é uma vida como humana, a convivência e as pequenas regras dessa sociedade. obviamente, ela estranha tudo e passa por situações bastante embaraçosas. a maioria dessas situações parece retirada de alguma comédia adolescente hollywoodiana com o mesmo tema. não parece nada com uma obra do mesmo homem que tinha feito filmes tão complexos como são seus três já citados nesse post, sobretudo depois da vida, no qual a discussão filosófica e metafórica alcança níveis extremos sem abandonar a beleza em momento algum.

se vocês pesquisarem ainda meu texto sobre still walking no ano passado, vão ver meu comentário sobre o fato de ser usada câmera estática em 98% do tempo. aqui, essa característica é abandonada, também por questões de linguagem que claramente se difere nas duas obras. porém, até mesmo na estética essa acaba sendo uma aparição preguiçosa da carreira de kore-eda.

agora, falemos de surrealismo.

o diretor português joão nicolau, presente na sala pra apresentar seu longa a espada e a rosa, disse em seu discurso pré-exibição algo como defendo um cinema livre, como a vida. livre de qualquer regra. e dedico esse filme aos mestres surrealistas que salvaram minha vida.

paixão, amigos. de novo ela aparece por aqui. mas antes, eu tinha visto o italiano-sardo a graça, de bonifacio angius, outro com elementos pendendo extremamente para o surrealismo. só que nada tem nenhuma condição de gerar nenhum tipo de interesse. personagens andam por estradas, figuras bizarras aparecem, desaparecem, reaparecem. a fotografia é escura, os atores são ruins. aos poucos, você se pergunta o que está fazendo naquela sala. e nada vai conseguir te responder. ah, o surrealismo.

então, o segundo exemplar, o já citado filme português. na primeira cena, o personagem principal já conquistou toda a platéia. em seguida, uma apresentação de sua vida, de seu mundo, uma aproximação. depois, uma imersão em um mundo de sonho, delírio e fantasia. se o cinema é a arte dos sonhos, como diz muita gente, a espada e a rosa é perfeito em toda sua concepção - faz sonhar. faz sentir. faz ter vontade de estar ali com aquelas figuras estranhas vivendo em um mundo aparentemente tão absurdo.

a única questão que impede a espada e a rosa de ser uma pequena jóia do nível de aquele querido mês de agosto, outra revelação portuguesa que a mostra nos deu uns dois anos atrás, é que sua duração de 142 minutos não sustenta todo o sonho e, a partir de um certo momento, o filme passa a se arrastar miseravelmente. o terceiro setor, por assim dizer, inteiro dele não possui metade do interesse e do carisma dos dois primeiros. mas é um fato que joão nicolau colocou seu nome na lista dos cineastas a se observar daqui em diante.

(air doll - 1/4, a graça - w/o, a espada e a rosa - 3/4).

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

mostra 2010 - dia 1

Turnê, de Mathieu Amalric

primeiro fato é que o meu post sobre o dia 1 de 2009 começa com algo parecido com queria dizer que não teve nenhum problema técnico no dia de abertura da mostra. e dessa vez, 2010, realmente não fui afetado por nenhum. acredito que seja impossível que não tenha acontecido nada, sobretudo no cinesesc ou no frei caneca, os reis dos atrasos, das panes de projeção, das falhas com legendas e todo o resto, mas, passando o dia todo no reserva cultural, as coisas correram perfeitamente.

segundo fato é que a mostra eternamente começa pra mim com um filme aleatório escolhido de olhos fechados pra tapar buraco, já que raramente tem coisas famosas na tarde do primeiro dia e o boca-a-boca ainda não foi gerado pra maiores recomendações. parece ser meio que uma perseguição constante o fato de eu sempre cair em filmes espanhóis nesse momento, deve ser a quarta vez ou algo do tipo. dessa vez, foi retornos, do debutante luis aviles. um filme raso e rápido, que passa batido em todos os seus aspectos e sobre o qual praticamente não existe o que se dizer. reconciliação de um pai que deixou sua família pra trás há 10 anos depois de um episódio trágico e é odiado por todos com mistérios e investigações policiais de pano de fundo. não é nenhuma bomba, mas não deixa marcas. nem pra bem, nem pra mal.

então partimos para a expectativa: poesia, de lee chang dong, vencedor do prêmio de melhor roteiro em cannes.

quem me conhece ou conhece o que eu costumo gostar ou não em cinema deve saber: eu tenho um ódio mortal por personagens idiotas. mais ainda por diretores que tratam seus personagens como retardados mentais. na minha errônea concepção cinematográfica, o personagem vem acima de tudo, até mesmo da estética. se a cada ação dele eu quiser me esconder de vergonha alheia, é quase impossível que eu goste do filme.

nos primeiros dez minutos de poesia, eu já tinha pensado internamente puta que pariu, mas que mulher mala umas treze vezes. isso pra não falar no seu neto. esse, nem merece comentários. mas tudo bem, isso não faz o filme ruim. e não é realmente um filme ruim.

a questão é que toda essa tradição do cinema oriental de mostrar a bondade das pessoas está oculta aqui, mascarada por alguns acontecimentos que parecem levar pra um caminho um pouco sórdido. além disso, a busca pela poesia em cada aspecto da vida contrasta com o dilema da citada senhora mala - o que é intencional, mas gerou um resultado bastante negativo. fiquei lembrando por muito tempo da força dramática enorme do mother, jóia coreana vista na mostra passada. por mais que sejam estilos tão diferentes, não comparar acaba sendo difícil.

gosto muito dos dez minutos que encerram o filme, onde realmente a conjunção poesia + lado sórdido funciona e existem algumas sacadas excepcionais por parte do premiado roteiro. mas acaba sendo pouco perto de uma obra eternamente arrastada e com personagens muito incapazes de segurar o interesse - justamente o contrário do que acontece em turnê, de mathieu amalric.

é muito provável que esse filme - que está longe de ser uma obra-prima ou coisa do tipo - tenha me tocado bastante pela proximidade do seu personagem principal comigo. o cidadão, um irresponsável semi-alcóolatra com todos os vícios do mundo mas com um coração enorme, é o produtor de uma companhia que atravessa a frança exibindo shows burlescos em teatros decadentes. em duas instâncias, a obra lembra demais o cinema de john cassavetes, obviamente com as devidas proporções guardadas - primeiro, nessa figura central, um quase robert harmon, segundo, na impressão que tudo está sendo constantemente improvisado.

o que também faz esse pequeno simpático filme crescer e até mesmo levar um prêmio de direção em cannes é que ele transborda paixão. paixão não só pelo fazer cinematográfico, mas por cada uma das suas crias, seja o produtor, seja pelas dançarinas, seja pelas figuras encontradas no caminho. nesse aspecto, me veio na memória outro belo filme da mostra 2009, o uruguaio mau dia para pescar. são retratos de sub-mundos e de outsiders visto com carinho por seus criadores. mais que fundamental.

(retornos - 1.5/4, poesia - 1.5/4, turnê - 3/4)