quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

avatar











engraçado como pra se "revolucionar" esteticamente o cinema é necessário roteiros ruins e um grande vazio. não quero nem sequer discutir toda a parte visual desse novo filme de james cameron, é uma coisa que está propagada por todos os lados como "impressionante", "surpreendente", "épico" e qualquer outro adjetivo do tipo. pode ser uma revolução. pode não ser. você escolhe o que pensa sobre isso e o tempo dirá quem está certo. o problema é outro. o problema é que cinema é um conjunto de infinitas coisas, imagem e som duas das principais, mas que não se sustentam sozinhas. se não, ninguém se preocuparia em contar estórias, em revolucionar a narrativa, em sempre trazer a consistência pras palavras.

e nesse outro sentido, o palpável, o de fora do intenso mundo da imaginação, avatar é inacreditavelmente ruim. é quase fato que é um filme que, sem todo o extenso aparato visual, estaria concorrendo nos framboesas de ouro da vida. o velho conto da pocahontas, só que em outro planeta. lotado de clichês e de situações constrangedoras. com superação metida ali no meio. com uma previsibilidade vergonhosa - por favor, ninguém me diga que, no momento que o dragão vermelho indomável apareceu, não sabia que ele seria domado pelo protagonista. isso nem sequer é spoiler, tamanha a obviedade da constatação.

e assim nós continuamos, separando o cinema em blocos. existe o entretenimento e existe a arte. não sei se é impossível que eles se cruzem, mas a cada novo "avatar", eu duvido mais.

sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

10 filmes para um ano, versão 2009

e vamos a mais um aguardado (not) top 10: filmes lançados no brasil em 2009, por carlos massari:

10. A Troca, de Clint Eastwood














O ícone dos filmes de macho que cada vez mais se torna um camaleão do cinema com a idade é o responsável por esse melodrama de sobriedade rara. Com domínio do gênero, faz um filme que consegue ser muito emocional sem se tornar irritante. Coisa rara.

9. Arrasta-me para o Inferno, de Sam Raimi














Do trash para os grandes sucessos de Hollywood e, então, de volta ao trash. Sam Raimi mostra que os Homem-Aranhas da vida não corroeram sua capacidade de dar vida ao seu gênero preferido. Drag me to Hell assusta quando quer e faz rir quando quer. É cinema eficiente e divertido e, sobretudo, realizado por quem sabe o que está fazendo.


8. Bastardos Inglórios, de Quentin Tarantino:




















Cinema é a exploração dos limites da imagem e do som. Essa, melhor dizendo, é a arte cinematográfica. E por isso Quentin Tarantino é um dos grandes nela. Temos aqui mais um exemplar puro de cinema, de planos lindamente construídos, quadros, ângulos, movimentos. Imagem e som, simples assim. Tudo com a já registrada embalagem pop do cineasta, com os diálogos e as artimanhas muito bem conhecidas. Ficam os destaques pra toda a sequência de abertura e pra toda a sequência do cinema. Só não é uma completa obra-prima por diversas inconsistências, sobretudo com os personagens.

7. Polícia, Adjetivo, de Corneliu Porumboiu
















A palavra e a moral. A discussão. Personagens que tentam encontrar suas verdades para confrontá-las com as verdades dos outros. Os planos longos e trabalhados de Porumboiu retratando a reconstrução de uma sociedade após o fim do regime ditatorial. Toda a cena com o dicionário é memorável.

6. O Lutador, de Darren Aronofsky














O antes imaturo Aronofsky, que fazia mil cortes por segundo e filmes de moralismo ímpar com amplo julgamento de personagens, parece estar morto. O Lutador, com atuação épica de Mickey Rourke, é um filme feito com o coração. Seus personagens são figuras errantes e perdidas, mas nenhuma delas é julgada. A câmera não interfere, só acompanha. E o resultado é uma obra poderosa, um verdadeiro requiém.


5. Aquele Querido Mês de Agosto, de Miguel Gomes














"Explorar fronteiras entre documentário e ficção" é o grande clichê do cinema contemporâneo. É um dos méritos dessa jóia portuguesa, sem dúvida, mas o ponto principal é a beleza das cenas, das figuras retratadas, a paixão do cineasta por tudo o que é filmado e o cuidado nesse retrato das férias de verão na terra de Cabral. A música, as personagens fascinantes e o humor também são peças fundamentais.


4. Três Macacos, de Nuri Bilge Ceylan:












Um filme sobre moral, sobre aparências, sobre famílias e vidas sem sentido de existência. Um filme com fotografia, enquadramentos e, sobretudo, ritmo impressionantes. Cada diálogo é encoberto pelo peso dos silêncios. A vida é encoberta pelo peso do silêncio.

3. Gran Torino, de Clint Eastwood:














Clint Eastwood aqui é o Clint Eastwood que nos acostumamos a ver por décadas. Veterano de guerra, patriota, assiste beisebol enquanto bebe cerveja. Vive solitário. Seu maior bem é um carro antigo. Duro, ranzinza, ele aos poucos se liberta. O cineasta disse que este filme era a morte da figura principal que havia construído com os anos. De fato, é. Mas este é um belíssimo ponto final.

2. Amantes, de James Gray:













A definição de cinema feita no Bastardos Inglórios também se aplica aqui: Por trás dos personagens tristes, perdidos na cinzenta Nova York, está um cuidado ímpar com a imagem, com os reflexos, com as janelas, com os olhares. Uma estória linda com personagens fantásticos contada por uma das câmeras mais conscientes dos últimos anos. Uma obra-prima.

1. Deixa Ela Entrar, de Tomas Alfredsson:














Este é um romance entre um humano e uma vampira. Eles são adolescentes. Mas aqui, a intenção é fazer arte. Aqui, o público não são pré-adolescentes toscas, mas adultos que batem a cara contra o muro diariamente. Sangue, sexo, dor, sofrimento, tensão. Tudo aqui é real. Tudo tem seu papel dentro do filme, filme conduzido lindamente por Alfredsson em ritmo e em consistência. É da proximidade desse romance improvável que surge o grande filme do ano.



Em breve, dez filmes para uma década. Fiquem atentos.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

atividade paranormal

oren peli, 07, 1.5/4

eu fico relativamente assustado com o fascínio que esses filmes alguém viu uma assombração, gravou e agora tá aqui, passando no cinema! exercem na população. se eu me gravasse escovando os dentes por três horas e, no final, fizesse de conta que tinha uma sombra passando atrás de mim, já seria suficiente pra arrecadar uns 100 milhões de dólares. pessoas gostam de sentir medo, e o rótulo fake do "é tudo verdade" causa mais medo ainda, mesmo com todo mundo sabendo que é só um rótulo.

ano passado tivemos um exemplo sensacional, o espanhol [rec], de filmaço utilizando-se dessa premissa. assustador do começo ao fim, lindamente dirigido, fez até eu, um ateu convicto, dormir algumas noites de luz acesa (ok, not, mas entendam a hipérbole). atividade paranormal busca seguir o mesmo caminho, mas falha redondamente. apesar de, por algum tempo, ser todo ajeitado, investindo na construção do medo, nas batidas que acontecem de vez em quando, na convivência com o sobrenatural. existem, porém, dois problemas muito sérios:

a) os personagens são muito, mas MUITO idiotas, quase tanto quanto os clássicos adolescentes retalhados de sexta-feira 13 e afins. o namorado fica totalmente obcecado para estudar e provocar, hum, um demônio que persegue sua namorada e já matou alguém antes e claramente tem algo contra ele. sensacional. pior que isso, só o médium, dr. alguma coisa, que se fosse eu no lugar do casal protagonista, certamente teria levado uma surra.

b) o final quebra completamente toda uma estrutura que havia sido construída, aquela estrutura citada ali em cima do ritmo, dos barulhos formando o medo, da leveza dos sustos que não precisam apelar pro som alto e pras imagens teoricamente chocantes. não vou exatamente citar o porque disso, mas não é difícil de compreender. é como a negação de um trabalho feito até então minuciosamente - e que renderia um filme bem mais interessante se mantido por mais tempo, em uma obra maior, mais concisa - para se submeter a um gancho de continuação e a um susto mais conhecido do grande público. coisa triste.

eu admiro muitas coisas aqui, mas o resultado final é trágico.

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

mostra - dias 12, 13 e 14















O Amor Segundo B. Schianberg, de Beto Brant: Pra começar, a idéia de se fazer o filme com câmeras de vigilância, independente do propósito que teve, foi horrível - a qualidade da imagem e do som são simplesmente péssimos. dito isso, tambem nao se pode ignorar que a estrutura de diálogos entre um casal, sem uma trama previamente estabelecida, é de leve interessante, mas aqui simplesmente nao causa nenhuma reaçao no publico, seja pela inexpressividade dos atores, seja pela falta de uma linha nesse diálogo - que tem algumas passagens sensacionais. seria uma ótima série de tv, mas é um filme apenas fraco. 1.5/4

Soul Kitchen, de Fatih Akin: primeira incursão do sempre engajado politicamente fatih akin na comédia, deixando de lado todas as questões 'importantissimas' que sempre trata, sobretudo a imigração de turcos pra alemanha. o que se vê facilmente é que akin é um cineasta de muito talento, muito controle de cena, e quando se mantem longe de assuntos chatos, faz belos filmes. essa aqui é uma comédia com personagens fortes, boas atuações e toda a excepcional direção do turco-alemão. sem duvida, vale a pena. 3/4

Cabeça a Prêmio, de Marco Ricca: taí um filme-nada. incapaz de gerar qualquer irritação ou qualquer animação com ele, é correto o tempo todo, tem bons atores espalhados pelo elenco, mas simplesmente não decola. é uma burocracia tremenda, amarrando o roteiro, criando conflitos, sub-tramas, o que for, todos pedindo por alguém que pudesse destrinchar tudo e fazer um filme melhor. não tinha. apesar de ser correto, não dá pra chamar de nome nenhum. só de filme-nada. 1.5/4

Sede de Sangue, de Chan-wook Park: cada vez mais próximo de um cinema sem limites, um mundo próprio de fantasia, com narrativas diferenciadas e concepções próprias, o coreano chan-wook park traz aqui esse conto sobre um padre que vira vampiro e passa a lutar contra sua condição e, em seguida, perder sua fé e entrar num novo estágio de humanidade. visualmente arrebatador, com todo o cuidado que já conhecemos do autor - e park é provavelmente um dos seres que mais podemos chamar de autor no cinema atual - diálogos muito bons, a estrutura livre e anárquica do cada vez mais fora de padrões cineastas, esse é um exemplo de grande cinema, de filme que tem vida própria e deve marcar época. meu único problema é com o final "poético", mas isso se deve sobretudo ao meu ódio de personagens idiotas. 4/4

Enfermaria Número 6, de Karen Shaknzaranov: tem centenas de filmes por aí que buscam o limite entre documentário-ficção propositadamente e a exploram de forma brilhante (ou não...). esse russo dá a clara impressão de não saber se quer se assumir como ficção ou ser um mockumentary. as entrevistas com os internos logo dão lugar a tramas claramente ficcionais filmadas dentro do hospício, e apesar de algumas figuras bem interessantes ali dentro, nunca conseguimos nos envolver com a completa má-resolução estilística da sra. diretora. uma pena, sem duvidas. 2/4

Maradona, de Emir Kusturica: Se Tyson é um documentário sem diretor (nas palavras de um amigo, 'o diretor ligou a camera, deixou tyson falando e foi no mercado'), Maradona é um filme com um diretor que quer aparecer demais e passa dos limites da auto-indulgencia. Ele está ali, na frente da camera o tempo todo, comparando gols do jogador de futebol com seus filmes, comparando fases da vida do astro com seus filmes, comparando a cor da roupa de maradona com seus filmes. porém, é uma obra muito vibrante, que tem o tempo todo a cara de kusturica, um cineasta que sempre buscou esse exagero na sua carreira. a vibração toda é a cara de um autor com estilo muito claro. e eu prefiro esse aqui a tyson, antes um filme com um diretor que quer aparecer demais que um sem diretor. 2.5/4

Todos os Outros, de Maren Ade: Casal numa viagem de férias tem problemas em sua relação. Eu tinha esse roteiro. Fiquei puto com essa sinopse. Mas, felizmente, todos os outros tem pouco a ver com o meu roteiro. É um filme mais centrado em pequenos detalhes, e o relacionamento não se deteriora de uma forma tão clara, radical, como aconteceria no meu projeto. É, sem dúvida, um estudo minucioso de personagens, de personalidades, de controle de situações. Fica com uma sensação de faltar mais ambição, mas funciona bem dentro do seu estilo naturalista. 2.5/4

Selvagens, de Lawrence Gough: Terror britânico absolutamente sem razão de existir, onde tudo consegue ser errado e mal-feito. O monstro quase não aparece, os personagens não tem desenvolvimento nenhum, a figura da polícia-assassina é um enfeite colocado só pro roteiro ter onde chegar. Um ou outro susto garantido pelo velho truque do som alto e ponto final. 0.5/4

Você não Vai Sentir Minha Falta, de Ry-Russo Young: Este aqui sim é um filme absolutamente naturalista, no qual a câmera praticamente segue sua personagem principal sem que haja uma estória sendo contada sobre ela ou nada do tipo - não há conflito, não há relação, não há trama - simplesmente uma garota com alma extremamente livre, recém-saída de uma clínica psiquiátrica, anda pela cidade, conversa com pessoas, trepa, usa drogas, fuma em lugares proibidos, briga, entre infinitas outras coisas. tem algumas cenas sensacionais, mas acaba cansando pela inexistencia de um motor pro filme ali pelos 50 minutos, e daí em diante fica completamente arrastado. vale reclamar da projeçao horrivel retalhando o filme no reserva cultural. 2.5/4

Pequenos Crimes, de Christos Georgiu. Em uma mostra na qual vimos filmes do Sri Lanka, Filipinas, Azerbaijão, Palestina, entre outros, nada como terminar com um do Chipre. Infelizmente, é mais um exemplo de filme-nada, comédia boba passada em uma pequena ilha com alguns personagens simpáticos e só. Sem motivos para ser visto. 1.5/4

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

mostra - dia 11











Os Famosos e os Duendes da Morte, de Esmir Filho: absolutamente nada explica a badalação a esse filme, vencedor do festival do Rio e tudo o mais, a não ser um culto desnecessário ao jovem diretor que ficou famoso na internet com o vídeo "tapa na pantera". é o tempo todo um exercício de pseudo-lirismo, que irrita na câmera estranha, no uso exaustivo de demonstrações virtuais (posts em blogspot, msn, flickr, o que diabos você imaginar), como se fosse necessário tudo isso pra caracterizar o personagem como um poeta, artista, ser cult ou sabe-se lá o que. a conjunção dessa busca por uma diferenciação, do protagonista que supostamente é deslocado da sociedade, feita com câmera + diálogos, cai numa repetição que é um buraco negro de onde o filme absolutamente não se levanta mais. e fica a expressão clara de decepção. 1.5/4

Viajo Porque Preciso, Volto Porque te Amo, de Karim Ainouz e Marcelo Galvão: Filme que já traz algo incomum na linguagem, ao deixar o protagonista apenas com a voz off e fazer todos os 80 minutos em câmera subjetiva, sem que ele apareça em momento nenhum, apenas narre e uma ou outra vez converse, esta nova incursão de dois velhos conhecidos do cinema no sertão é uma poesia do início ao fim, um requiém para um amor, trazendo sentimentos e pensamentos que certamente já passaram pela cabeça de todos nós. a saudade, a desilusão, a necessidade de ter outros corpos, a lenta superação de tudo - estágios amplamente representados de forma lírica pelos diretores aqui. e a trilha sonora tem o clássico trash morango do nordeste! é uma obra-prima, e não se tem muito mais o que dizer. só vejam o filme. de preferência, com o coração apertado. 4/4

Papai foi Caçar Ptármiga, de Robert Morin: Outro filme levemente diferenciado na linguagem, já que se apresenta como um vídeo gravado por um pai para suas duas filhas, ele que está fugindo da polícia canadense e quer enviar o vídeo para as meninas entenderem a situação. É divertido, e explora muito bem essa originalidade e novidade no modo de contar a estória, apesar de ter algumas incoerências sérias (cenas de diversos angulos sendo que é um cidadão com uma câmera gravando o dia-a-dia dele, tipo, COMO ASSIM?). mas de um modo geral, vale bastante a vista, é engraçado quando precisa e assustador quando quer, bela surpresa. 2.5/4

domingo, 1 de novembro de 2009

mostra - dia 9













Traga-me Alecrim, de Josh e Benny Safdie: Taí um filme que parece não ter absolutamente nada de especial, mas se sustenta no carisma de seu protagonista e no bom desenvolvimento do roteiro. É a história de um pai que passa apenas duas semanas por ano com seus filhos, e durante esse período, apronta altas confusões com eles. Alma absoluta indie, com o personagem irresponsável que arruma viagens de última hora, dá remédios potentes pros filhos dormirem, enfim, faz tudo errado até não poder mais, mas sem dúvida é uma boa pessoa e faz o público ficar a seu lado. Dá pra ver uma pontinha - só uma pontinha, muito pequena - de cassavetes aqui, até mesmo esteticamente. 2.5/4

Dente Canino, de Giorgos Lanthimos: Esquisito, bizarro, sem noção. Qualquer palavra dessa classe define perfeitamente esse filme grego premiado na Un Certain Regard. O mundo paralelo de uma família isolada do mundo, com regras e definições próprias, salta aos olhos: sexo oral como moeda, gato um animal mortal, zumbis pequenas flores do jardim, competições pelos prêmios estranhos da família. Nós achamos tudo isso estranho porque nossas regras de convivência são definidas previamente, muito tempo atrás. Não se pode dizer, porém, que as nossas são certas e as deles são erradas. Moral é relativa, ponto. Só não sei se a intenção do diretor Lanthimos era essa ou se era só chocar e fazer gracinha. Por isso, não sei também o que achei do filme. Na primeira situação, 3/4, na segunda, 0.5/4.

A Fita Branca, de Michael Haneke: Filme mais aguardado da mostra, Palma de Ouro em Cannes, sofre cronicamente de um problema sério: Falta de personalidade. Simplesmente não se enxerga Michael Haneke - diretor, lembremos, de Violência Gratuita e todo seu sadismo, de Caché e a navalhada do pescoço - por aqui. É sem dúvidas um filme de classe, enquadramentos perfeito, estetica firmemente constrúida sobre a linda fotografia em preto-e-branco, tudo absolutamente no lugar. A reflexão sobre o nascimento do fascismo é inteligente, também, e o todo do filme sem dúvida funciona muito bem. Só que porra, Haneke, você não é Bergman. O filme é todo por demais bergmaninano, por demais buscando a força das palavras, das situações como a sua força principal - as discussões médico/parteira GRITAM "cenas de um casamento!, cenas de um casamento!". e é essa falta de personalidade, falta de ser si mesmo de michael haneke, que evita que tenhamos uma real obra-prima aqui. 3/4.

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

mostra - dia 8














Tyson, de James Toback: Documentário sobre a lenda do boxe e, mais que isso, a pessoa e a fera que se escondiam por trás delas. Infelizmente, é um filme praticamente sem nenhuma ambição, que usa a palavra 'documentário' no seu sentido mais puro. É praticamente uma entrevista de uma hora e meia com Tyson, com ele contando sua vida, sem esconder nenhum problema pessoal, erro ou momento turbulento, enquanto imagens de arquivo passam ao fundo, mostrando lutas, escândalos e o que mais existir. Poderia facilmente ser um Globo Reporter, sem maiores méritos cinematográficos ou defeitos. Nulo. Vale pela figura do boxeador. 2/4

Vencer, de Marco Bellochio: Aí sim temos um grande filme, melodrama no sentido mais puro, com Bellochio, grande cineasta italiano e muito familiar ao gênero, tomando controle da obra a partir do propósito de contar a história de Ida Dalser, amante secreta do duce Mussolini. Os elementos que movem o filme são muito bem construídos, e mais que isso, a direção de Bellochio é espetacular. Com cada elemento de cena sendo minimamente explorado e dominado, é um dos melhores filmes da mostra até agora. 3.5/4

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

mostra - dia 7












Backyard, de Carlos Carrera: esse é o tipo de filme para o qual existem dois tipos de pessoas - as muito boas e as muito ruins. essa distinção não é simplesmente perigosa, é absolutamente trágica para qualquer obra dramática que se preze. fica difícil acreditar na consistência de qualquer personagem, nas ações, até mesmo na sinceridade do diretor. a intenção de backyard, inicialmente um policial típico com estrutura absolutamente hollywoodiana, é ser um filme denúncia contra os assassinatos de mulheres em crimes sexuais, principalmente na cidade juarez, méxico, onde a trama se passa. queira ou não, acaba sendo eficiente nesse proposta, deixando um certo nó na garganta. mas o preço foi consideravelmente alto. 1.5/4

Mau Dia Para Pescar, de Alvaro Brechner: fazendo a velha brincadeira do contraste entre dois filmes, o que em backyard era o principal problema, aqui é a principal virtude: a construção dos personagens. mau dia para pescar é um filme relativamente leve sobre uma dupla formada por um cidadão que se intitula "príncipe", empresário, e o "campeão mundial" de luta-livre, homem imbatível, que viajam por cidadezinhas sul-americanas oferecendo espetáculos. centrado nesses dois personagens, o filme consegue conferir humanidade e dignidade suficiente aos dois, ambos complexos e com múltiplas faces. conforme acontece o desenvolvimento, temos uma aproximação de "o lutador", grande filme recente de darren aronofsky, mas sempre num tom mais alegre e, sobretudo, mais leve. ainda é bastante sóbrio estéticamente. grata surpresa. 2.5/4

Polícia, Adjetivo, de Corneliu Porumboiu: Taí o novo excepcional produto do cinema romeno. Vindo de Porumboiu, que já tinha feito "A Leste de Bucareste" - que é pelo menos um dos meus 3 filmes favoritos dos produzidos por essa geração sensacional - temos aqui ainda uma evolução do anterior, seguindo a mesma linha, de um filme lento e reflexivo, que se apoia em planos longuíssimos e diálogos tão longos quanto, discutindo aqui a justiça, a consciência e a moral, entre outros temas que vão aparecendo após um policial se recusar a prender um adolescente que fumava maconha por achar esse um motivo banal para se destruir a vida de alguém. A estrutura é a mesma do filme anterior de Porumboiu, mas claramente amadurecida, mais preparada para sustentar um desenvolvimento dentro das características já apresentadas. E mesmo com toda a duração dos planos, diálogos e o que for, o tempo passa voando durante a projeção. 3.5/4

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

mostra - dia 6














Corações em Conflito, de Lukas Moodysson: Uma grande fonte de bombas para o cinema nos últimos anos tem sido os filmes com histórias múltiplas se desenrolando, levando a uma tragédia inevitável e discutindo temas "importantíssimos" para a humanidade. Os dois maiores e mais fétidos exemplos são "Crash" e "Babel". Nessas obras, os cineastas manipulam os pobres personagens, que aliás, não são personagens, são meras marionetes do sofrimento e da catástrofe. A irritação é da anti-naturalidade das situações, de como tudo soa completamente forçado só para que as tragédias cheguem, abrindo um sorriso no rosto sádico dos diretores por terem destruído suas marionetes.

É aí que entra o cineasta de talento. Moodysson, conhecido por ser extremamente sutil e piedoso com seus personagens, após ter começado a carreira com "Amigas de Colégio" e "Bem-Vindos", duas obras bastante otimistas e leves ao tratar de temas complicados, migrou para um estilo mais sombrio que descambou no péssimo "Um Vazio em Meu Coração". Porém, ele se recupera aqui nesse "Corações em Conflito": Tem todo o cuidado que a obra pede, e por mais que a tragédia seja inevitável no final, ele cuida de seus personagens, que são absolutamente palpáveis, não julga ninguém, dá o direito à redenção. Não existem marionetes, são pessoas na tela. E Moodysson sabe conduzir suas histórias e levá-las a um final que não é feliz para muitos, mas um gosto amargo não precisa necessariamente ser deixado por sadismo contra as criações. Eu não gosto do estilo de câmera que é empregado aqui, mas é o de menos perto do grande anti-Babel que é esse Mammoth. 3/4

A 40ª Porta, de Elchin Musaoglu: Simplesmente tosco esse aqui. Do visual ao tema, tudo parece uma telenovela de emissora pobre dos anos 70. Personagens mal construídos, trama fraca, fotografia péssima. Me induzi ao sono após a primeira meia-hora. 0/4

O Que Resta do Tempo, de Elia Suleiman: Considerado por muitos como o filme que merecia a Palma de Ouro no último festival de Cannes, o novo filme de Suleiman é uma comédia dramática que visa sempre a repetição de gestos, a nulidade, a quebra do esperado e da temporalidade. Fazendo uma sátira política à guerra Israel-Palestina, são episódios da vida do diretor e de sua família contadas com muito bom humor através do estilo já conhecido do autor. Essa leveza nos atos, gestos e diálogos e na coordenação de cena levam a um resultado que beira o genial. Suleiman, como Buster Keaton, Charlie Chaplin, Woody Allen, Nanni Moretti, entre outros grandes comediantes do cinema, se coloca em cena e representa aqui a si mesmo, em algumas sequências antológicas. Com câmera estática o tempo todo, mas planos curtos, tem ainda uma excepcional mise-èn-scène. Uma jóia. 3.5/4

terça-feira, 27 de outubro de 2009

mostra - dia 5














Entre Dois Mundos, de Vimutkhi Jayasundara: Filme começa absolutamente excepcional, com imagens maravilhosas na tela, em planos muitíssimo bem construídos e dotados também de uma mise-en-scène impressionante. Dois planos em especial - o "alpinismo" e os rebeldes destruindo as televisões - Estão entre os melhores que já vi nessa mostra, se não forem os melhores. A consistência imagética se mantém até o final, com Jayasundara demonstrado ter total senso estético, mas o problema é que tematicamente o filme é vazio e não apresenta absolutamente nada que possa sustentar os planos infinitos e o ritmo lentíssimo que dominam toda a projeção. A dicotomia amor e morte é apresentada de uma forma já muito conhecida, e a poesia aqui não funciona muito. Fica a sensação que poderia ser uma obra-prima com um fundo mais elaborado. Uma pena. 2/4

Tokyo!, de Michel Gondry, Leos Carax e Joon-Ho Bong: Uma bobagem completa. Isso é o que define essa compilação de três estórias sobre a capital japonesa. A única que merece o mínimo destaque é a de Carax, sobre um homem que vive no esgoto e faz ataques terroristas à cidade, apelidado de Sr. Merde. O desenvolvimento as soluções visuais de Carax, porém, são estranhas demais. Bong não é nem de longe o cineasta de "O Hospedeiro" e de "Mother". Já pro Michel Gondry, só se pode falar uma coisa: Fique só nos videoclipes enquanto há tempo, por favor. 1/4

Independência, de Raya Martin: Belo filme do filipino Raya Martin, sobre uma família que se refugia da floresta pra se esconder da guerra civil. O preto-e-branco combina com o clima e é muito bem executado, o visual é delimitado de acordo com as intenções do cineasta, que conduz ainda algumas entradas deveras estranhas, como a informação sobre a chegada dos soldados norte-americanos, mas que acabam funcionando. Martin e Jayasundara, cineastas do programa de residência do festival de Cannes, demonstraram ambos muito talento, mas sem dúvidas o filme do filipino é superior ao do... (insira aqui a nacionalidade de quem nasceu no Sri Lanka). 3/4

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

mostra - dia 4












Águas Verdes, de Mariano de Rosa: Família vai viajar, problemas começam a acontecer e alguma situação limite se desenha durante férias que deveriam ser pura diversão e altas aventuras. Tenho certeza que já vi esse filme infinitas vezes. A situação limite aqui é a paranóia do patriarca da família em relação às pessoas que eles conhecem durante a viagem, um "outsider" viajante pelo mundo que passa a galantear a filha, menina de uns 15 anos, e um casal de lésbicas que faz amizade com a esposa. Pois bem. Digamos que o fator de absoluta irritação nesse filme é a falta de consistência dramática e construção psicológica dele. Os atos parecem jogados, sem conexão, a paranóia não é justificada em momento algum, não soando verossímil nem pelo roteiro, nem pela atuação. Acaba sendo uma experiência vazia, e que visualmente também não é das melhores. 1/4.

A Vida em Bloco, de Alfredo Hueck e Carlos Caridad: dois médias com a desculpa de serem estórias interligadas por um bloco de apartamentos pra estarem no mesmo filme e nada mais que isso. o primeiro é interessante, bastante bukowskiano, com um cidadão que vaga por bares, atrás de mulheres fáceis e bebidas, a noite toda. chega atrasado no trabalho sempre e tem uma barba gigante. o clima é todo legal, e o desenvolvimento agrada. mas não vai além disso, falta profundidade e algo que possa chamar melhor a atuação do espectador. o segundo é um completo desastre. não só o tema é bobo e incapaz de chegar perto de prender a atenção, como a estética é incrivelmente tosca, com fotografia de plástico e quadros fechados sempre numa linguagem muito televisiva. no mínimo, irritante. 1/4.

O Fantástico Sr. Raposo, de Wes Anderson: Anderson é um daqueles "cineastas de um tema só", e volta a ele aqui mais uma vez. A família, agora, é uma família de raposas, que vivem em uma árvore, cujo o pai, outrora ladrão de galhinhas, após anos como 'trabalhador sério', deseja voltar a ativa e praticar um último roubo. Desde o fato de ser uma animação, já se imagina um filme bem mais leve, e de fato é o que ocorre. É engraçado, com o humor típico de Anderson, mas não avança tanto no sarcasmo e na profundidade. Fica longe de ser um Royal Tenembaums, mas não tem intenção de ser, também. 2.5/4

mostra - dia 3
















Bad Lieutenant, de Werner Herzog: refilmagem polêmica do filme de abel ferrara, esse policial com nicolas cage (na atuação da sua vida fácil, melhor ainda que em despedida em las vegas - onde, a exemplo daqui, era um viciado) exagera no politicamente MUITO incorreto, com direito a tortura de velhinhas e ao herói fazendo tudo de errado que é possível que um oficial da lei fazer - usa drogas, rouba drogas dos presos, planta provas, namora uma prostituta, aceita sexo como forma de suborno das mulheres, se associa com traficantes, etc etc etc etc. e o resultado disso é hilário. quanto mais fundo o buraco cavado pelo personagem de cage, mais bizarras e inacreditáveis ficam as situações, e mais engraçado o negócio todo fica. herzog acerta na mão, não liga pra possíveis restrições da ala conservadora e se libera totalmente. direção segura, deixando o filme fluir. e que a alma continue dançando depois da morte. 3/4

À Procura de Eric, de Ken Loach: eric cantona rouba a cena e domina esse filme estranho à filmografia de ken loach. o ex-centroavante MITO do manchester united aparece totalmente à vontade, numa obra que o futebol lança o tom da comédia, mas mais tarde serve também como pano de fundo pra uma mudança de gêneros - que é extremamente bem conduzida pelo diretor. de qualquer forma, é bastante previsível - pra não dizer clichê - e vale mais como objeto de diversão e nada mais. 2/4

Alga Doce, de Andrzej Wajda: terceiro filme do dia, terceiro de um grande mestre do cinema. alga doce é um desses exercícios de fronteira entre documentário e ficção, e essa relação aqui é até bem interessante - de um lado, a atriz principal declama monólogos sobre a morte do seu marido, do outro, ela atua no filme que fazia enquanto ele morreu. problema é que isso não tem muito pra onde ir, a parte documentário é sem dúvida bem pensada, mas um monólogo sobre uma morte tem predisposição a se tornar cansativa bem rápido, e a parte ficção não tem quase sentido nenhum de existir, sendo absolutamente raza quando comparada ao monólogo. ou seja, o filme se torna bastante sonolento sem muita demora. 2/4

domingo, 25 de outubro de 2009

mostra - dia 2












35 doses de rum, de claire dennis: um olhar sobre a separação entre pais e filhos vindo da diretora francesa claire dennis. no caso, é separação entre pai e filha. eles moram num pequeno apartamento no subúrbio parisiense, ele é operador de trens, ela é a melhor aluna da sala. o filme se desenvolve, mas é muito arrastado, demora muito pra chegar a algum ponto realmente interessante. a partir daí, tem algumas passagens magníficas, como toda a sequência entre a saída pro teatro que acaba num mini-baile num boteco. a resolução é a esperada, mas nada no filme salta muito aos olhos, em campo algum. vale por ser mais uma peça na interessante cinematografia da diretora. 2/4

ervas daninhas, de alain resnais: depois de fazer o excepcional "medos privados em lugares públicos", resnais apareceu na seleção oficial de cannes com esse aqui. a impressão clara é que o diretor, já com 87 anos e sem dúvida um dos maiores mestres de toda a história do cinema, autor de obras-primas como "noite e névoa" e "o ano passado em marienbad", hoje faz filmes se divertindo absurdamente, sem maiores preocupações. esse é todo o aspecto de ervas daninhas, comédia romântica com toda a habilidade estética de resnais, brincadeiras narrativas, bom humor destilado por todos os lados. é uma obra que nem parece de um senhor de 87 anos. mas é, e ele ainda tem toda essa competência pra, mais que se divertir, fazer o público todo feliz. 3/4

sussurros ao vento, de shahram alidi: antes de mais nada, fotografia lindíssima, um filme com cuidados especiais de câmera, de colocação, com muitos pontos de reflexão sobre a imagem - todo movimento tem sentido, é cuidadosamente planejado, um trabalho realmente sensacional. o filme é sobre um mensageiro que viaja pelo curdistão, eerr, entregando mensagens. "perdi meu filho na guerra", "por favor, peçam pro meu filho voltar", etc etc etc. basicamente, é um grito extremo de manifesto nacionalista do curdistão, com algumas cenas que GRITAM liberdade, como a transmissão por uma rádio proibida do choro de um recém-nascido após um massacre do exército iraquiano, como se quisesse dizer "os curdos vivem". me irrita um pouco fazer um filme com todos esses clichês sobre o sofrimento de um povo oprimido, mas colocando na balança, esse aqui é realmente foda. 3/4

mother, de bong joon-ho: aclamado mundialmente pelo terror esquisito o hospedeiro, lançado uns dois ou três anos atrás, o coreano bong joon-ho volta agora com um suspense esquisito, história sobre uma mãe de um filho retardado que tenta provar a inocência após seu filho ser acusado de assassinato. digo esquisito porque são infinitos elementos de comédia enfiados no meio de uma forma bem atípica, como já ocorria em o hospedeiro. o negócio aqui é que a construção do filme é sensacional, tanto no que diz respeito ao clássicoinvestigação do crime, principalmente nos personagens, todos com começo, meio e fim em suas trajetórias - impossível não pensar em moral ao escrever aqui, mas eu não gosto da palavra e talvez o filme também não goste. fato é que, se não é uma obra-prima, chega perto. 4/4

nota-se como fator interessante aí o fato que os dois melhores filmes até agora são asiáticos. vamos ver como esse painel se desenvolve durante a mostra.

mostra - dia 1












eu gostaria de poder chegar aqui no primeiro dia de uma mostra e dizer que não houve nenhum problema técnico. a desorganização é sempre assustadora, com algo acontecendo pra atrapalhar toda a programação de uma sala ou mais. hoje, felizmente, não foi nada referente a atrasos, e sim o sistema de legendas eletrônicas do espaço unibanco que não funcionou, pelo menos enquanto eu estava por lá. o primeiro filme, 'ramirez', era espanhol, e o segundo, 'aviões de papel', húngaro. pra nossa extrema sorte, este tinha embutidas legendas em inglês. seria melhor que não tivesse. pelo menos poderíamos nos divertir brincando de decifrar o que os personagens falavam pra fazer o tempo passar mais rápido.

'ramirez' e 'aviões de papel' nem merecem textos separados. são dois filmes que sofrem dos mesmos infinitos problemas. muitos desses problemas são coisas comuns dentro do cinema, desde sempre. personagens sem construção nenhuma, cujas ações são soltas, vão do nada ao lugar nenhum. no caso do filme espanhol, a situação é absolutamente inexplicável, visto que ele é todo centrado no personagem principal, ao contrário do húngaro que é uma junção de oito, nove ou vinte - não tive muita paciência pra me preocupar com isso - estórias diferentes, todas contadas com ceninhas rápidas de um ou dois minutos e pulando novamente pra seguinte. o genial aqui é a falta de necessidade de existência de algumas (95%, digamos) desses micro-estórias. uma delas, exemplificando, é sobre um escritor que não consegue escrever. passagem um: ele sentado à máquina. passagem dois: ele levanta e faz um lanche. passagem três: ele senta de novo, mas o telefone toca. e assim por diante. até o final. nada, absolutamente nada, acontece. eu entenderia até uma negação da narração tradicional, mas claramente não é a intenção do excelentíssimo sr. diretor.

'ramirez', sim, é uma obra que tem uma construção atípica de narrativa, uma vez que, no começo, as cenas aparentemente não tem maior ligação umas com as outras. vemos o personagem título traficando drogas, depois, saindo com uma mulher, depois, visitando a mãe, depois, tirando fotos. essa é a apresentação do personagem. não existe, porém, coerência psicológica. os atos não batem, não existe construção. e, depois, ainda a não-narrativa é abandonada. uma linha comum passa a ser seguida. não que isso o torne melhor ou pior.

tudo bem, seriam apenas dois filmes ruins se não houvesse o fator principal de irritação: a câmera. sabe-se lá porque, mas nos dois casos há uma incapacidade de mantê-la quieta. vamos descrever: câmera chega a uma imagem onde está o centro da ação. câmera para, ação decorre. de repente, DO NADA, sem mudança nenhuma do centro da ação, a câmera treme, se mexe, se movimenta, sem sentido nenhum. é simplesmente um tique dos diretores, dos operadores de câmera ou de alguém da equipe. mas em ambos os filmes, isso ocorre com frequência. além disso, 'ramirez' é consideravelmente mal-iluminado, mas depois de tanta coisa, isso já nem faz tanta diferença.

desci do espaço unibanco pro frei caneca com a esperança do dia ser salvo por still walking, o novo kore-eda, cineasta que eu tinha uma admiração relativa, principalmente por depois da vida e ninguém pode saber. ok, nem precisava ser um GRANDE filme, eu já estaria feliz em não ver uma câmera com epilepsia, o que seria pouquíssimo provável de se repetir pelo passado da obra do diretor. alívio extremo: 120 minutos com uns 118 de câmera estática. tudo devidamente compensado. meus olhos agradecem.
(e não me entendam errado, eu admiro - e muito - movimentos bem-feitos de câmera, isso é uma mera questão de opção dos autores e não tem nada a ver com a qualidade do filme, EXCETO quando se deu ecstasy pra câmera antes de iniciar as gravações).

tá, isso é o de menos no caso de 'still walking', apesar de ter a ver com a homenagem a yasujiru ozu, que está contida também - e sobretudo - no tema e seu desenvolvimento. temos aqui uma reunião de família, três gerações - avô e avó, dois filhos, cônjuges, três netos. preparativos pro almoço, chegada dos filhos, diálogos. personagens sendo construídos tijolo a tijolo. tensão surgindo do desenvolvimento deles. personalidades, olhares, diálogos. nenhum julgamento. todos são seres humanos absolutamente palpáveis, a senhora é a encarnação japonesa da minha avó, por exemplo. as discussões sobre trabalho, tradições, futebol, criação dos filhos e tudo o mais estão lá e vão levando aos temas centrais desta obra de kore-eda.

tempo, dor, perda, tradições. todos eles, com o desenvolvimento de 'still walking', surgem no primeiro plano. os personagens passam, essas quatro palavras continuam. o que nós vemos é a passagem e a continuação. 'still walking'. a vida continua. as tradições continuam. o tempo continua. e o diálogo final ainda, na minha sincera impressão, reflete o cinema japonês, de ozu pra kore-eda - sem comparações, por favor - nos personagens do filme.

ramirez, de albert arizza - 1/4
aviões de papel, de simon szabó - 0/4
seguindo em frente, de hirokazu kore-eda - 4/4