segunda-feira, 1 de novembro de 2010

mostra - dia 11


Film Socialisme, de Jean-Luc Godard

é engraçado perceber as diferenças entre o você atual e o você de quando começou a frequentar a mostra. naquela época, além de usar gel no cabelo moicano, roupas estranhas e normalmente usar o preparo físico adolescente pra correr do extinto cineclube directv (lembrança maldita) ao frei caneca, eu normalmente usava meu tempo livre de uma hora entre filmes pra ir em livrarias ou lojas de dvds. minhas diversões eram me torturar dentro daqueles lugares cheios de objetos de desejo inalcançáveis. com o tempo, simplesmente abandonei esse hábito nada saudável.

o tempo passou e, no meio dele, houve anos que eu estive todos os dias acompanhado por ex-namoradas (não ex na época, por favor) ou peguetes, anos que não encontrei absolutamente ninguém conhecido durante toda a duração do festival e vi todos os filmes sozinhos, houve minha transição de visual. o moicano foi embora em 2004 e hoje meu cabelo é absolutamente normal, bem como o cavanhaque de sempre e a peça que entrou a pouco tempo - os óculos escuros. sou mais um na multidão. e uma exceção gigantesca - alguém que não usa roupas indies no meio daquele mar de blusas listradas ou de bolinhas. e a parte principal - nunca mais entrei na fnac, na cultura ou na 2001 vídeo. tendo uma hora livre, minha cabeça já junta automaticamente as três letras mais importantes e universais possíveis: b a r. e outras sete que são indispensáveis à vida: c e r v e j a.

dito isso, existe um preconceito gigantesco contra filmes sobre adolescentes ou romances e aventuras sexuais adolescentes nesse circuito de mostra. saindo da sessão de o mito da liberdade hoje, ouvi duas senhoras - típicas criaturas do festival - comentando que era um absurdo um filme como esse ter passado. claro, vocês nunca foram adolescentes, né? já nasceram com 50 anos, ranzinzas e "intelectuais", creio eu? parabéns, então!

a sinopse aqui é que um emaranhado de personagens na transição entre a high school e a faculdade sai à noite em busca de beijos e sexo e amor e putaria e diversão. esse é american pie, opa, errado, é o mito da liberdade. não se trata de uma comédia, mas sim de um filme que tenta entender seus personagens, claramente um olhar com carinho de quem já passou por isso. são calouros e veteranos e amigos e amigas e namoradas e piriguetes todos devidamente perdidos nesse mar, simplesmente buscando terminar a noite com alguém.

eu tenho uma tendência a gostar desse tipo de filme, uma vez que acabo me identificando pra caralho. principalmente porque a narrativa se encaminha pra um oceano de fails, e todos nós sabemos que o número de noites de festas e bebidas e busca por putaria (pra nem mencionar amor) que acaba em fail é bem maior que as que acabam em sucesso. ainda mais aqui, que os personagens são carismáticos e as situações são tão plausíveis e comuns do nosso dia-a-dia, como o veterano indo atrás da bixete gatinha e... bem, deixa pra lá.

o cinema é livre. não vamos ser arrogantes e pensar que todos os filmes tem que ser sobre filosofia ou guerra ou poesia tailandesa ou morte. não. todo mundo já foi adolescente, todo mundo já saiu à noite querendo beber até cair, trepar com alguém ou simplesmente dividir uma garrafa de vodka. não tem porque achar que isso é um tema menor que a filosofia godardiana. não é.

pra encerrar o assunto, o filme foi bem prejudicado por outra cópia horrorosa. porra, mostra, isso tá cada dia pior.

existe muito pouco a ser dito sobre esse novo godard, film socialisme. ele próprio encerra a obra com um "no comment" piscando na tela. e o cineasta francês - que todos sabem, é meu preferido, apesar de cada vez mais ser ameaçado por john cassavetes no posto - já não faz nada que se adeque à narrativa ou a estética tradicionais a pelo menos 40 anos, não ia ser agora que voltaria a isso. pelo contrário, cada vez que lança uma nova peça cinematográfica, mais transgride o que estamos acostumados, mais destrói os padrões.

é muito simples: você gosta de godard e suas loucuras? veja. vale a pena, recomendo completamente. não gosta, acha chato? passe longe. os problemas de todo mundo estão resolvidos. godard continua sendo godard e continuará até depois de sua morte. provocador, autêntico, inovador. os adjetivos mais clichês possíveis relativos a ele, mas que são extremamente precisos.

na mostra de 2004, eu vi um filme argentino chamado buenos aires 100 km, outro sobre um tema que as senhoras "intelectuais" que acham planos de florestas e filosofias de walter benjamin maiores que a vida não suportam: a transição da infância para a adolescência. nunca esqueci daquele filme, me marcou absurdamente. algumas cenas em especial tiveram uma identificação terrível. o campeonato de futebol, o primeiro beijo com a garota bonita da sala que ia embora em seguida, as coisas que antes significavam tudo na vida passando a não significar nada. marquei o nome do diretor: pablo jose meza. e esperei, um dia, outro filme dele.

foram seis anos até que, sem querer, vi na lista da mostra desse ano um tal a velha dos fundos, de pablo jose meza. opa, era ele de novo. tinha que ver, obrigatoriamente.

a velha dos fundos é um filme daquele gênero que eu admiro extremamente, os filmes sem conflito. não existe nenhuma situação limite movendo a trama, é o acompanhamento da vida de dois personagens medíocres levando suas vidas medíocres. a normalidade, o dia-a-dia, as conversas vazias, a falta de sentido em tudo. meza mais uma vez acertou em cheio pelo menos de forma pessoal comigo, já que é um tipo de narrativa que eu sempre pensei em desenvolver, e aliás tenho alguns esboços. mas não é uma obra especial, nem de perto se parece com buenos aires 100 km. não foi exatamente uma completa cobertura da expectativa, mas trata-se de um trabalho bem decente.

(o mito da liberdade - 2/4, film socialisme - 3/4, a velha dos fundos - 2.5/4)

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