domingo, 31 de outubro de 2010

mostra - dias 9 e 10


Tio Boonmee que pode recordar suas vidas passadas, de Apichatpong Weeresethakul

Depois de dez dias de mostra, ainda não sofri com nenhum grande problema de atraso, cópia que não chegou ou outros tipos de panes estranhas típicas, apesar de já ter ouvido alguns casos como o do áudio da vinheta ter vazado em cima da projeção já adiantada de um filme. Deve ter sido deveras engraçado alguma cena triste e sombria com aquela musiquinha ao fundo. Enfim, por um lado, sorte minha. Mas existe algo a ser realmente relatado com cuidado: a qualidade das cópias que o festival vem exibindo.

Algumas tem sido exibidas com problemas na cor, escuras demais ou claras demais. Outros filmes são completamente distorcidos devido à má conversão de formato. Porém, algumas sessões foram assustadoras. Segue o primeiro exemplo:

Quando começaram a aparecer na tela as primeiras imagens de Caterpillar, eu realmente achei que se tratava de uma opção estética do filme. Pareciam aqueles clipes televisivos da década de 60 que as emissoras jundiaienses passam de madrugada. Aos poucos, eu percebi: não, aquele realmente era o estado da cópia. E teve que ser assim até o final. Praticamente uma tortura, pior que qualquer dvd que você possa comprar em um terminal de ônibus com feira à sua escolha.

claro que a imersão neste filme de koji wakamatsu ficou bastante prejudicada, ainda mais para uma obra que tem como principal característica a busca do choque com imagens e situações fortíssimas. (percebi agora que eu tava usando letras maiúsculas no começo das frases, what the hell? nunca na minha vida fiz isso.) a intenção é ser uma crítica muito forte à guerra, e é com um "deus da guerra" que volta para casa sem nenhum membro, surdo, mudo e deformado e ainda assim é ovacionado por todos que se faz toda essa depredação. wakamatsu não poupa planos pelas faltas de membros e deformidades do guerreiro. é cruel e seco, tentando causar repulsa, tentando sempre manter um estado de tensão e inconformismo no ar.

eu não costumo gostar de filmes que busquem o choque pelo modo mais fácil, ou seja, jogando imagens fortes na tela o tempo todo. é um recurso fraco e que perde para a sutileza, a construção da situação que te devasta aos poucos. wakamatsu tem seu estilo de fazer cinema que, pelo menos pra mim, não funciona muito. mas reconheço os méritos e o grito anti-guerra.

a adaptação de gabriel garcia marquez do amor e outros demônios tem gerado muitos comentários positivos dos colegas e acabei indo ver. é um filme bastante sólido e com uma estética muitas vezes impressionante - principalmente pela fotografia e construção de planos - mas que sinceramente não me agradou muito. o desenvolvimento é extremamente rápido, as conclusões pulam na tela com uma velocidade absurda e mal deixam tempo para um clima ou uma percepção da trama. provavelmente a obra exigia uma duração bastante maior. me passou a impressão de um trabalho apressado, apesar de todos os méritos visuais. agora, é preciso ser dito que é outro nível de adaptação de garcia marquez, sem comparação com coisas medonhas como o amor nos tempos de cólera.

ah, tio boonmèe. é difícil entrar na sala sem lembrar dos comentários de cannes. entre eles, estavam alguns como é o melhor filme da história do cinema, estamos todos abraçando-nos! a expectativa era maior que o mundo.

vocês sabem, expectativas destroem qualquer coisa. pisam em cima. esmagam. não sobra nada do que realmente se achava que seria. é assim com tudo, de encontros amorosos a jogos de futebol. de mulheres quando tiram a roupa a lugares pra se conhecer. é assim, principalmente, com filmes.

e não me entendam mal - tio boonmèe é um belíssimo filme, repleto de poesia, com um imaginário e uma amenidade todos realmente conquistadores. com um jeito de filmar que é particular de joe e já, nesse seu princípio de obra, com os planos longos da vegetação, do vento balançando as árvores, com os personagens que são cheios de sabedoria. o filme é lindo, na verdade. o tom soturno dos diálogos, as vozes, os macacos, as cenas na caverna. o céu é superestimado. não tem nada lá. cinema marcante.

mas não é o melhor filme de todos os tempos. não é nem o melhor filme dessa mostra até aqui (cópia fiel). não é, principalmente, o melhor filme do próprio joe (eternamente sua).

passemos da tailândia para o sri lanka. da poesia para a escuridão.

karma, de prasanna jayakody, é tão ou mais pesado que caterpillar. provavelmente mais. e é repleto de boas idéias e demonstrações de talento. a porrada aparece logo de cara, com um plano longuíssimo de uma mulher morrendo de câncer se esforçando pra respirar numa cama. aquela respiração dolorida e demorada. a cena dói fundo no público. e outros exemplares do tipo virão durante a uma hora e vinte e pouco de projeção.

gosto de muita coisa aqui, mas infelizmente, acho que o filme se perde completamente quando se aproxima de sua conclusão. sem entrar em detalhes para não estragar nada, apesar de ser quase impossível que alguém que leia isso venha a assistir essa peça da cinematografia cingalesa, mas o talento está aí. certamente veria uma próxima aparição do sr. (ou sra?) jayakody no festival.

(tweetei que tinha visto um filme do sri lanka, ao que recebi uma resposta de uma garota provavelmente de lá, what you said about sri lanka? - existe coisa mais fascinante que o twitter?)

(ok, nós todos sabemos que existe)

o banho de sangue de takeshi kitano, ultraje, foi exibido também com uma cópia porquíssima, apesar de não se comparar com a horrível de caterpillar. é divertidíssimo, descompromissado, sem nenhuma intenção poética ou política - pura e simplesmente um banho de sangue, com mortes e assassinatos de todos os tipos, dedos cortados, fuzilamentos, esfaqueamentos e tudo o mais. guerra da yakuza no melhor estilo. provavelmente o filme mais leve da mostra. sim, eu sei que sou doente mental por essa afirmação.

(caterpillar - 2/4, do amor e outros demônios - 2/4, tio boonmèe que pode recordar suas vidas passadas - 3.5/4, karma - 2.5/4, o ultraje - 3/4)

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