sexta-feira, 23 de julho de 2010

sobre extremos

toy story 3 (lee unkrich, 2010)
a serbian film (srdjan spasojevic, 2010)

pode parecer estranho, mas eu não vi o primeiro toy story na época de seu lançamento. tinha sete anos de idade e desprezava desenhos. achava que eles eram pra crianças bobas e limitadas. ao mesmo tempo, levava comigo uma incrível frustração por não poder entrar no cinema e assistir aos filmes que realmente me agradavam - os de terror. eu, uma singela criança, mas com a mente já completamente pervertida por jason, michael myers e afins. brinquedo na tela, só se fosse o chucky.

acabei vendo de uma vez "toy story" e "toy story 2" ali pra 2003 ou 2004, auge da minha cinefilia, tempo que aprendi que todos os tipos de filmes podiam ser bons ou ruins, e que ser uma animação não impedia em nada que tivéssemos ali uma obra-prima. lembro que achei dois filmes divertidíssimos, mas deixei nesse ponto. nenhum tinha mexido muito comigo, causado grandes emoções ou qualquer coisa do tipo. tinha dado muitas gargalhadas, mas meu pensamento era simplesmente que eram boas peças de entretenimento.

engraçado notar que sete anos depois desse primeiro olhar e quinze do lançamento que a série realmente acabou causando um impacto grande em mim, quando eu já levava vinte e dois anos vividos e diversos tipos de experiências. a palavra central aqui é nostalgia. toy story 3 é um filme nostálgico, não para quem adorava os dois primeiros filmes, mas para quem era criança naquela época, gostando de filmes de terror ou o que fosse.

é uma saga sobre personagens incrivelmente carismáticos, principalmente woody e buzz, mas com todos os coadjuvantes merecendo destaques de nível também - não há um brinquedo dessa trupe principal que não desperte extrema compaixão ou simpatia. a partir daí, criada essa relação de proximidade entre personagens e público, a identificação geral pode alcançar níveis diferentes de profundidade. e eu acho que é onde o filme tem seu mérito principal - a transferência da relação andy-brinquedos para a relação espectador-brinquedos. essas antigas crianças, hoje já adultos, que um dia se importaram com aqueles pequenos objetos com os quais se divertiam e um dia acabaram se desfazendo deles de infinitas formas diferentes ou, quem sabe, ainda os mantém guardados em algum cômodo escuro e abandonado de suas casas.

a construção de pessoas passa diretamente pelas emoções, e relações com os brinquedos estão em algum lugar no início disso tudo. se aos sete anos eu preferia os filmes de terror por não enxergar em andy nada além que uma criança da minha idade que brincava da mesma forma que eu - vejam, identificação superficial, não emocional - hoje, isso muda radicalmente e me aproxima muito mais desse conto sobre brinquedos vivos que na idade que deveria ter acontecido.

essa análise acaba sendo completamente pessoal, uma vez que eu não preciso entrar em méritos de qualidade de animação, roteiro, competência extrema na transição de gêneros e tudo o mais. primeiro, porque todo mundo já falou disso. segundo, porque o que realmente me importa em toy story 3 é essa forma com a qual ele realmente me pegou.

na mão contrária, nós temos essa demonstração bizarra de sadismo e ultra-violência que é a serbian film, um snuff-movie que abusa do sangue espirrando para todos os lados e na tortura pesada - sobretudo sexual - para... para nada. é desses casos de choque fácil, obra que não analisa nada, não traz nenhuma inovação, nenhum conteúdo ou nenhuma estética que mereça destaque, mas que simplesmente se apóia numa tentativa de causar repulsa - ou prazer, nunca se sabe - para uma conquista de público.

é dentro desse extremo que vemos um tipo de filme incapaz de dizer qualquer coisa ou causar qualquer emoção, empatia pelos personagens, uma relação além do oi, eu sou o filme, te mostrei um cara comendo o cu do filho de cinco anos e o sangue espirrando e você escondeu a cara e achou isso repulsivo. obrigado. eu não consigo ver isso como cinema ou como qualquer coisa digna de nota.

toda a maturidade demonstrada por toy story 3 desaparece em a serbian film. não existe sensação de medo, normalmente o principal fator dos filmes de terror, a narrativa é pobre e se desmonta antes que possa causar maior impacto. a força é das imagens. mas não por sua beleza, sua construção ou sua estética, mas pelo seu choque. um desperdício de uma experiência que poderia ser absolutamente visceral.