Cópia Fiel, de Abbas Kiarostami
senhores leitores, vejam o tamanho da minha tragédia:
decidi que sacrificaria o terceiro dia da mostra devido à minha paixão pelos esportes. no caso, naquele domingo, meus dois times do coração entrariam em campo para enfrentar seus arqui-rivais: o palmeiras jogaria contra o corinthians, o oakland raiders contra o denver broncos. um jogo às dezesseis horas pela televisão, o outro às dezoito pela internet. tudo devidamente encaminhado. até que, ao acordar, me deparo com uma grande surpresa: nada funciona.
a espera pela volta dos serviços prestados pela excelentíssima net durou o dia inteiro, sem nenhum sucesso. tive que ouvir pelo rádio o palmeiras ser derrotado por 1 a 0 e ver pelo play by play da internet do celular os raiders massacrarem os broncos por 59 a 14. e sem mostra. e sem filmes. e sem nada.
feito este amargurado relato, vamos ao que importa:
de volta à correria na segunda-feira, iniciamos com lost paradise in tokyo, drama bastante correto sobre dois irmãos e uma garota que se envolve com ambos tentando criar um mundo próprio dentro da capital japonesa. um dos irmãos é autista e tem um episódio bastante doloroso no passado, o que faz com o que o outro, a princípio, o mantenha constantemente trancado dentro do apartamento enquanto trabalha. aos poucos, uma compreensão maior cai entre a trupe e vemos aquelas mensagens que vocês já sabem quais são.
vou citar um ponto negativo específico que me irritou bastante e me impediu de gostar mais dessa obra de kazuya shiraiashi: o filme é de um maniqueísmo quase vontrieriano, existindo os três personagens em comunhão a partir de um certo momento lutando pelo bem e pela paz em suas vidas e encontrando no resto do mundo perversão e maldade. chega a ser praticamente desastroso o tratamento dado às pessoas externas aos três a partir de aproximadamente uma hora de filme. apesar disso, é uma obra sólida e bem construída, tanto temática como esteticamente. houvesse um pouco mais de tato da direção nesses momentos decisivos e o resultado poderia ter sido bem satisfatório.
momento de indignação, parte 1:
um homem abre um sex-shop. piadas com pintos. piadas com vibradores. piadas com bonecas infláveis. rejeição da sociedade. conflito. piadas com casais de velhos e pessoas mau-humoradas agora felizes. mais piadas com pintos. piadas com impotências. ah, o personagem principal é gordinho e desajeitado e tem um affair com uma delicinha completa.
que filme é esse? não, não é american pie 23, é revolução da luz vermelha, idiotice completa. que porra isso tá fazendo na mostra, sr. cakoff?
fim do momento de indignação, parte 1. sigamos. esse filme foi selecionado pelo programa petrobras cultural 2003. esses letreiros aparecem antes de bróder, de jefferson de. e eu que achava que meu média tinha demorado demais pra ficar pronto.
bróder, porém, é um filme muitíssimo bem construído, mesmo sendo mais um exemplar do rolê já clássico do cinema brasileiro galera da periferia. sempre lembro, nessas horas, do extinto turma do gueto da record e seu glorioso refrão de abertura, e aí malandraaagem. genial. voltemos ao que importa.
apesar de estar o tempo todo flertando com o crime e a tragédia, bróder se desenvolve como uma história - como o nome já sugere - sobre família e amizade. o filme mantém um ritmo constante e bastante acelerado, seus atores principais seguram a onda da dramaticidade toda - principalmente um caio blat versão mano sensacional - e tudo acaba sendo bem amarradinho e desenvolvido. não chega a ser uma obra-prima, nem um cidade de deus - e provavelmente a pretensão nem passa perto disso - mas o que importa é que ele tanto entretem como possui várias qualidades bastante louváveis. além, claro, do troféu diálogo da mostra até aqui:
- não é brother que fala, é mano, mano.
eu estou aqui enrolando pra falar sobre cópia fiel, do abbas kiarostami, talvez porque simplesmente eu não saiba o que falar sobre ele. me causou um efeito de embasbacamento gigante ao seu término, tanto com toda sua elegância - esse iraniano sabe onde por a câmera como ninguém, ou como poucos, como também quanto movimentá-la ou não, o que fazer com ela em cada situação. toda a sequência inicial, plano estático da mesa de entrevista enquanto vemos os créditos já é incrível e dá o tom do que virá a seguir - como por seu tratamento com o roteiro, com os personagens, com o desenvolvimento. aliás, a palavra elegância cabe pra essas instâncias também de forma brilhante.
dito isso, lembro da juliette binoche ao receber o prêmio de melhor atriz em cannes, agradecendo muito ao kiarostami pelo papel. o carinho do cineasta com os personagens é impressionante e transparente em cada cena. não quero interpretar nada, não quero dizer o que eu acho das "surpresas" durante a projeção. de verdade, não me importa. acho que não deveria importar a ninguém. fiquem com as impressões que quiserem, eu fico com as minhas.
um pobre cineasta francês, benoit magne, aparece numa sala de cinema em são paulo, numa terça-feira à tarde, e diz que aquela é a primeira exibição de seu filme NO MUNDO TODO. e eu ali, perdido. esse filme era o inesperado. simpático, barato, me identifico com esses sonhadores de vinte e poucos anos contando estórias sobre jovens tentando achar seus lugares no mundo - e estórias sem dinheiro nenhum para serem contadas. o problema é que essa aventura do sr. magne até ia bem, não como uma obra-prima, mas como um filme simpático e divertido até que a excelentíssima senhora personagem principal surta e começa a agir de forma totalmente diferente. pra um filme com foco TOTAL no seu objeto de retrato - no caso, essa garota - ter falhas tão gritantes de construção de personagem é um negócio quase destruidor.
momento de indignação, parte 2:
um adolescente sentado numa cama tem uma lista com nomes de garotas, a maioria já riscados. ele liga pra próxima, que atende, a princípio não se lembra dele e depois diz que terminou com o namorado. ela o convida pra ir à eslováquia. ele aceita. eles vão. após alguns dias lá, começa a pintar um clima. ela tenta beijá-lo, ele se recusa. foge. brigam. ela pega um cara num bar e ele fica puto com isso (?). ele faz um escândalo (???). ele vai a um bar, pega uma garota e, quando ela se oferece pra um boquete, ele fica transtornado e foge (?????).
puta que pariu, sra. ingrid veninger, diretora deste modra, se sua intenção era fazer o romance adolescente com os dois personagens mais irritantes, imbecis, mimados e tapados da história, você conseguiu, parabéns.
fim do momento de indignação, parte 2. terminemos.
para encerrar minhas escritas no dia da trágica notícia da morte do polvo paul, digo que cheguei hoje à conclusão que minhas aulas de russo tem sido completamente inúteis. isso porque entendi só uma meia-dúzia de palavras ditas em minha perestroika, documentário sobre os efeitos da abertura política russa na vida de alguns habitantes do país da vodka. é interessante e bem feito, mas me senti assistindo ao history channel. dispensável, a não ser por uma aula de laboratório de luxo.
(lost paradise in tokyo - 2/4, revolução da luz vermelha - 0/4, cópia fiel - 3.5/4, bróder - 2.5/4, o inesperado - 1/4, modra - 0/4, minha perestroika - 2/4).
Nenhum comentário:
Postar um comentário