sexta-feira, 22 de outubro de 2010

mostra 2010 - dia 1

Turnê, de Mathieu Amalric

primeiro fato é que o meu post sobre o dia 1 de 2009 começa com algo parecido com queria dizer que não teve nenhum problema técnico no dia de abertura da mostra. e dessa vez, 2010, realmente não fui afetado por nenhum. acredito que seja impossível que não tenha acontecido nada, sobretudo no cinesesc ou no frei caneca, os reis dos atrasos, das panes de projeção, das falhas com legendas e todo o resto, mas, passando o dia todo no reserva cultural, as coisas correram perfeitamente.

segundo fato é que a mostra eternamente começa pra mim com um filme aleatório escolhido de olhos fechados pra tapar buraco, já que raramente tem coisas famosas na tarde do primeiro dia e o boca-a-boca ainda não foi gerado pra maiores recomendações. parece ser meio que uma perseguição constante o fato de eu sempre cair em filmes espanhóis nesse momento, deve ser a quarta vez ou algo do tipo. dessa vez, foi retornos, do debutante luis aviles. um filme raso e rápido, que passa batido em todos os seus aspectos e sobre o qual praticamente não existe o que se dizer. reconciliação de um pai que deixou sua família pra trás há 10 anos depois de um episódio trágico e é odiado por todos com mistérios e investigações policiais de pano de fundo. não é nenhuma bomba, mas não deixa marcas. nem pra bem, nem pra mal.

então partimos para a expectativa: poesia, de lee chang dong, vencedor do prêmio de melhor roteiro em cannes.

quem me conhece ou conhece o que eu costumo gostar ou não em cinema deve saber: eu tenho um ódio mortal por personagens idiotas. mais ainda por diretores que tratam seus personagens como retardados mentais. na minha errônea concepção cinematográfica, o personagem vem acima de tudo, até mesmo da estética. se a cada ação dele eu quiser me esconder de vergonha alheia, é quase impossível que eu goste do filme.

nos primeiros dez minutos de poesia, eu já tinha pensado internamente puta que pariu, mas que mulher mala umas treze vezes. isso pra não falar no seu neto. esse, nem merece comentários. mas tudo bem, isso não faz o filme ruim. e não é realmente um filme ruim.

a questão é que toda essa tradição do cinema oriental de mostrar a bondade das pessoas está oculta aqui, mascarada por alguns acontecimentos que parecem levar pra um caminho um pouco sórdido. além disso, a busca pela poesia em cada aspecto da vida contrasta com o dilema da citada senhora mala - o que é intencional, mas gerou um resultado bastante negativo. fiquei lembrando por muito tempo da força dramática enorme do mother, jóia coreana vista na mostra passada. por mais que sejam estilos tão diferentes, não comparar acaba sendo difícil.

gosto muito dos dez minutos que encerram o filme, onde realmente a conjunção poesia + lado sórdido funciona e existem algumas sacadas excepcionais por parte do premiado roteiro. mas acaba sendo pouco perto de uma obra eternamente arrastada e com personagens muito incapazes de segurar o interesse - justamente o contrário do que acontece em turnê, de mathieu amalric.

é muito provável que esse filme - que está longe de ser uma obra-prima ou coisa do tipo - tenha me tocado bastante pela proximidade do seu personagem principal comigo. o cidadão, um irresponsável semi-alcóolatra com todos os vícios do mundo mas com um coração enorme, é o produtor de uma companhia que atravessa a frança exibindo shows burlescos em teatros decadentes. em duas instâncias, a obra lembra demais o cinema de john cassavetes, obviamente com as devidas proporções guardadas - primeiro, nessa figura central, um quase robert harmon, segundo, na impressão que tudo está sendo constantemente improvisado.

o que também faz esse pequeno simpático filme crescer e até mesmo levar um prêmio de direção em cannes é que ele transborda paixão. paixão não só pelo fazer cinematográfico, mas por cada uma das suas crias, seja o produtor, seja pelas dançarinas, seja pelas figuras encontradas no caminho. nesse aspecto, me veio na memória outro belo filme da mostra 2009, o uruguaio mau dia para pescar. são retratos de sub-mundos e de outsiders visto com carinho por seus criadores. mais que fundamental.

(retornos - 1.5/4, poesia - 1.5/4, turnê - 3/4)

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